CAPÍTULO III Foi na noite de 20 de julho passado. Eu voltava de casa de Z… com quem tinha estado até às duas horas; ia chegar quando senti atrás de mim os passos de duas mulheres. Parei. Elas passaram por mim, descendo do passeio em que eu estava, e caminhando apressadamente. Entrevi-as à luz de um candeeiro. Uma era alta, seca, direita, idosa; a outra - para que hei de descreve-la? - era ela. Um relance de olhos, e conheci-a logo.
Ia inquieta, arquejante, abafada em choro e em soluços. Comoveu-me tanto o aspeto passageiro dessa grande angústia, dessa dor suprema naquela formosa mulher há poucos dias ainda tão patentemente feliz, radiosa, intemerata, que eu daria nesse momento a minha vida inteira, para a não ver assim dobrada na lama de uma rua escura e deserta, pelo que há mais violento, mais voluntario, mais hostil, mais implacavelmente humano: a desgraça… Ela, a viva imagem da delicadeza e do mimo, expressão suprema da beleza, do domínio, da omnipotência terreal, via-a de repente sucumbir envolvida pela serpente cuja cabeça eu imaginava segura pelo seu pé sobre um crescente de lua!
Fiquei por um momento perplexo. Por fim os meus passos apressaram-se para ela, saí-lhe ao encontro e disse-lhe convulsivamente:
- Senhora condessa de W…, vejo que chora. É certamente um sucesso extraordinário e terrível. V. Exa. parece-me só e desprotegida neste bairro;
somente em tão excecionais circunstâncias eu poderia permitir-me a liberdade de lhe falar. Disponha de mim, minha senhora, como se dispõe de um amigo ou de um escravo para a vida e para a morte.
Ela parecia escutar sem me compreender, numa grande inquietação. à última palavra que proferi:
- Para a morte! - repetiu ela num grito de delírio. Quem lho disse?