CAPÍTULO III Percebi que saltava da almofada o nosso cocheiro. Ouvi abrir sucessivamente as duas lanternas e raspar um fosforo na roda. Senti depois estalar a mola que comprime a portinha que se fecha depois de acender as velas, e rangerem nos anéis dos cachimbos os pés das lanternas como se as estivessem endireitando.
Não compreendi logo a razão porque nos tivéssemos detido para semelhante fim, quando não tinha caído a noite e íamos por bom caminho.
Isto porém explica-se por um requinte de precaução. A pessoa que nos servia de cocheiro não quereria parar em lugar onde tivesse gente. Se tivéssemos de atravessar uma povoação, as luzes que começassem a acender-se e que nós veríamos através da cortina ou das fendas dos stores, poderiam dar-nos alguma ideia do sítio em que nos achássemos. Por esta forma esse meio de investigação desaparecia. Ao passarmos entre prédios ou muros mais altos, a projeção da luz forte das lanternas sobre as paredes e a reflexão dessa claridade para dentro da carruagem impossibilitava-nos de distinguir se atravessávamos uma aldeia ou uma rua iluminada.
Logo que a carruagem começou a rodar depois de acesas as lanternas, aquele dos nossos companheiros que prometera explicar a F… a razão porque ele nos acompanhava, prosseguiu:
- O amante da senhora a quem me refiro, imagine que sou eu. Sabem-no unicamente neste mundo três amigos meus, amigos íntimos, companheiros de infância, camaradas de estudo, tendo vivido sempre juntos, estando cada um constantemente pronto a prestar aos outros os derradeiros sacrifícios que pode impor a amizade. Entre os nossos companheiros não havia um médico. Era mister obtê-lo e era ao mesmo tempo indispensável que não passasse a outrem, quem quer que fosse, o meu segredo, em que estão envoltos o amor de um homem e a honra de uma senhora.