CAPÍTULO IV Escrevo-lhe hoje fatigado, e nervoso. Todo este obscuro negócio em que me acho envolvido, o vago perigo que me cerca, a mesma tensão de espírito em que estou para compreender a secreta verdade desta aventura, os hábitos da minha vida repousada subitamente exaltados, - tudo isto me dá um estado de irritação mórbida que me aniquila.
Logo que vi o cadáver perguntei violentamente:
- Que quer isto dizer, meus senhores?
Um dos mascarados, o mais alto, respondeu:
- Não há tempo para explicações. Perdoem ter sido enganados! Pelo amor de Deus, doutor, veja esse homem. Quem tem? Está morto? Está adormecido com algum narcótico?
Dizia estas palavras com uma voz tão instante, tão dolorosamente interrogativa que eu, dominado pelo imprevisto daquela situação, aproximei-me do cadáver, e examinei-o.
Estava deitado numa chaise-longue, com a cabeça pousada numa almofada, as pernas ligeiramente cruzadas, um dos braços curvado descansando no peito, o outro pendente e a mão inerte assente sobre o chão. Não tinha golpe, contusão, ferimento, ou extravasamento de sangue; não tinha sinais de congestão, nem vestígios de estrangulação. A expressão da fisionomia não denotava sofrimento, contração ou dor. Os olhos cerrados frouxamente, eram como num sono leve. Estava frio e lívido.
Não quero aqui fazer a história do que encontrei no cadáver. Seria embaraçar esta narração concisa com explicações científicas. Mesmo sem exames detidos, e sem os elementos de apreciação que só podem fornecer a análise ou a autópsia, pareceu-me que aquele homem estava sob a influência já mortal de um narcótico, que não era tempo de dominar.
- Que bebeu ele? perguntei, com uma curiosidade exclusivamente medica.
Não pensava então em crime nem na misteriosa aventura que ali me prendia; queria só ter uma história progressiva dos fatos que tinham determinado a narcotização.