QUINTA PARTE - AS REVELAÇÕES DE A. M. C.
CAPÍTULO I Senhor Redator. - Dirigindo-lhe estas linhas, submeto-me à sentença de um tribunal de honra, constituído para julgar a questão levantada perante o público pelas cartas do doutor *** estampadas nessa folha. Obriguei-me a referir quanto se passou por mim como ator desse doloroso drama, e venho desempenhar-me deste encargo. Possam estas confidências, escritas com o mais consciencioso escrúpulo, conter a lição que existe sempre no fundo de uma verdade! A existência íntima de cada um de nós é uma parte integrante da grande história do nosso tempo e da humanidade. Não há coração que, desvendado nos seus atos, não ofereça uma referenda ou uma contestação aos princípios que regem o mundo moral. Quando o romance, que é hoje uma forma científica apenas balbuciante, atingir o desenvolvimento que o espera como expressão da verdade, os Balzacs e os Dickens reconstituirão sobre uma só paixão um carater completo e com ele toda a psicologia de uma época, assim como os Cuviers reconstituem já hoje um animal desconhecido por meio de um único dos seus ossos.
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Sabem que sou natural de Viseu. Criei-me numa aldeia encravada entre dois montes da Beira; açoitado de vez em quando pelo meu pai, quando lhe esgalhava alguma árvore mimosa do quinteiro; abençoado pela minha mãe como a esperança dos seus velhos anos; coberto de profecias de glória, como o pequeno Marcelo da freguesia, pelo reitor, o qual algumas vezes depois de lhe ajudar à missa, aos dez anos de idade, me argumentava na sacristia as declinações latinas. Era escutado este prodígio por um auditório composto do sacristão e do tesoureiro, que com os chapéus debaixo do braço, coçavam na cabeça e olhavam para mim arregalados e atónitos.