O Mistério da Estrada de Sintra - Cap. 11: CAPÍTULO II Pág. 57 / 245

- Então que viram eles?

- Eles não viram nada.

- Então aí tem!

- Não viram, mas ouviram.

- Tinham de ouvir boas coisas!

- Ouviram, sim senhor, ouviram. E não foi só a eles que sucedeu isso, foi a todos quantos cá moraram. E era gente de bem, que não mentia, que não tinha precisão de mentir, que tinham pago a sua renda e que ficaram com ela perdida!

- Então que ouviam eles?

- O senhor bem o sabe!… O que eles ouviam? Ouviam pancadas nas portas, quando ninguém batia, nem lhes tocava! Ouviam espirrar o lume e estalarem os carvões exatamente como se estivessem abanando à fogueira, quando estava a cozinha só e o fogão apagado! Sentiam o bater das asas de um pássaro que começava a voar pelas casas apenas se apagavam as luzes; ouviam-no arquejar e bufar aproximando-se cada vez mais dos que estavam deitados, pairando tão rente das camas que se lhe sentia o estremecer das penas, o calor de lume que ele deitava do bico e ao mesmo tempo o frio de neve que fazia a mover as azas!

- Ora adeus! tinham ouvido falar nisso e pareceu-lhes que sentiam o tal pássaro, de que já falavam os inquilinos anteriores, os quais também tinham ouvido falar nele, não havendo ao fim de contas ninguém que verdadeiramente o tivesse ouvido.

- Então o senhor não sabe porque foi que eles fugiram, os últimos que estiveram cá, faz agora quatro anos?

- Ouvi falar nisso, mas por alto, não me deram pormenores.

- Eis aí está porque o senhor não acredita! A coisa foi esta: Eles eram gente pobre mas honrada: marido, mulher e uma filha de seis anos. Para o que desse e viesse dormiam todos juntos na mesma sala. A pequenita a quem eles não contavam nada por causa do medo, estava numa caminha a um lado. Dormiam com luz na lamparina, e como trabalhavam muito de dia e estavam cansadíssimos à noite, lá pegavam no sono apesar do barulho das faúlas do fogareiro e das argoladas nas portas.





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