Um Caso Tenebroso - Cap. 2: II – PROJECTO DE UM CRIME Pág. 17 / 249

Estes dois olhos esquadrinhadores e perspicazes, de um azul glacial e gelado, podiam ter servido de modelo a esse famoso olho, temível emblema da: polícia, inventado durante a Revolução. Calçava luvas de seda preta e trazia uma badine na mão. Devia ser personagem oficial, pois no seu todo, na sua maneira de tomar rapé e de o enfiar pelo nariz dentro, revestia-se da importância burocrática de um homem secundário, mas que emerge ostensivamente, e a quem ordens vindas de muito alto dão momentaneamente, poderes soberanos.

O outro indivíduo, cujo trajo era do mesmo gosto, mas elegante, e graciosamente envergado, cuidado nos seus mínimos pormenores, o qual, andando, fazia ranger as botas à Souvorov, repuxadas por cima de umas calças cingidas à perna, vestia sobre a casaca um Spencer, moda aristocrática adoptada pelos Clichianos, a juventude dourada, e que sobrevivia aos Clichianos e à juventude dourada.

Naquele tempo houve modas que duraram mais que os partidos, sintoma da anarquia que já nos exibiu 1830. Aquele perfeito moscadim parecia ter uns trinta anos. Os seus modos respiravam boa sociedade; trazia sobre si jóias caras. O colarinho da camisa chegava-lhe à altura das orelhas. Seu ar enfatuado e quase impertinente acusava uma espécie de superioridade oculta; a sua cara alvacenta parecia sem pinga de sangue, seu nariz, aquilino e fino, tinha o contorno sardónico do nariz de um morto, os seus olhos verdes eram impenetráveis: seu olhar era tão discreto quanto o devia ser a boca fina e cerrada.

O primeiro parecia um pobre-diabo comparado com aquele homem seco e magro que chicoteava o ar com um junco cujo castão de oiro brilhava ao sol. O primeiro podia cortar uma cabeça pelas suas próprias mãos, mas o segundo era capaz de envolver nos fios da calúnia e da intriga a inocência, a beleza, a virtude, afogando-as, envenenando-as friamente.





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