X - LAURENCE E CORENTINAo ver aquele cofre nas mãos de Corentin a jovem condessa ergueu o pingalim e, rápida, saltou sobre ele, aplicando-lhe nas mãos uma tal chicotada que a caixa caiu no chão; logo ela a apanhou, a atirou para o lume, que ardia no fogão e se instalou diante da lareira, numa atitude ameaçadora, não dando tempo a que os dois agentes emergissem do seu estupor. O desprezo flamejava nos olhos de Laurence, a sua testa pálida e os seus lábios desdenhosos ainda eram maior insulto para aqueles homens que o gesto autocrático que ela, tivera para Corentin, como se ele fosse um animal peçonhento. O pobre do Hauteserre sentiu-se, de súbito, cavaleiro, subiu-lhe o sangue todo à cara, e teve pena de não haver à mão uma espada. Os criados começaram por estremecer de alegria. A vingança tão desejada acabava de fulminar um daqueles homens.
Mas a sua felicidade logo foi repelida para o fundo das suas almas por um pavor medonho: continuavam a ouvir os gendarmes de um lado para o outro lá em cima no sótão.
O espião - substantivo enérgico em que se confundem todos os matizes que caracterizam a gente da polícia, pois o público nunca quis especificar, na língua, os diversos caracteres dos que se ocupam dessa espécie de botica necessária aos governos - o espião, portanto, tem isto de magnífico e de curioso: nunca se zanga; tem a humildade cristã dos padres, seus olhos estão habituados ao desprezo, e opõe-no, do seu lado, como uma barreira, ao povo de idiotas que o não compreendem; tem a fronte de bronze para as injúrias, caminha avante como um animal cuja carapaça sólida não pode ser desmantelada pelo canhão; mas, também, como o animal, mostra-se tanto mais furioso, quando o atingem, quando é certo ter acreditado impenetrável a sua couraça.