XVIII – MARTA COMPROMETIDA Enquanto os habitantes de Cinq-Cygne guardavam o começo dos debates no tribunal criminal e solicitavam autorização para ver os presos, sem conseguirem obtê-la, no castelo, e no mais profundo segredo, ocorria qualquer coisa da mais alta gravidade. Marta voltara para Cinq-Cygne logo após a sua deposição perante o júri acusador, depoimento de tal forma insignificante que ela nem sequer foi citada pelo acusador público para comparecer perante o tribunal criminal. Como todas as pessoas de uma sensibilidade excessiva, a pobre mulher permanecia sentada no salão, onde fazia companhia à Menina Goujet, num estado de prostração que causava dó. Tanto para ela Como para o cura, de resto, e para todos quantos continuavam a ignorar o que tinham feito os acusados durante todo aquele dia, a sua inocência parecia duvidosa. Às vezes. Marta acreditava que Michu, seus amos e Laurence se haviam vingado do senador. Por de mais sabia a pobre mulher da dedicação de Michu, para acreditar que ele, de todos os acusados, era quem estava em maior perigo, quer em virtude dos antecedentes, quer pelo papel que teria desempenhado na execução. O abade Goujet, a senhora sua irmã e Marta perdiam-se em conjecturas a que esta opinião dava lugar: mas, de tanto meditarem no caso, acabavam por deixar que o espírito se lhes fixasse num sentido qualquer. A dúvida absoluta exigida por Descartes é tão pouco praticável no cérebro do homem como o vazio da Natureza, e a operação espiritual graças à qual aquela se realizasse, tal o efeito da máquina pneumática, constituiria uma situação excepcional e monstruosa. Seja qual for a matéria, sempre o homem crê em qualquer coisa. Ora Marta tinha a tal ponto medo da culpabilidade dos acusados que o seu receio equivalia a uma crença: e esta situação acabou por ser-lhe fatal.