Um Caso Tenebroso - Cap. 1: I - OS JUDAS Pág. 2 / 249

- Queres matar algum cabrito montês, Michu? - perguntou-lhe a mulher, bonita e moça, afivelando uma expressão risonha.

Antes de responder, Michu olhou para o seu cão, que, alapardado ao sol, as patas estendidas, o focinho em cima das patas, na bonita posição dos cães de caça, acabava de arrebitar a cabeça e farejava alternadamente o terreno diante de si, a avenida, com o seu quarto de légua de comprimento, .e o caminho transversal que desembocava à esquerda da rotunda.

- Não - respondeu Michu - mas um monstro que não quero que me escape, um lobo-cerval cão, um magnífico sabujo, de roupagem branca malhada de castanho, rosnou.

- Bom! - disse Michu, falando consigo mesmo -, temos espiões'! Anda para aí tudo cheio deles.

A Senhora Michu soergueu dolorosamente os olhos para o céu. Linda loira de olhos azuis, verdadeira estátua antiga, pensativa e recolhida, dir-se-ia remordida por uma mágoa negra e ácida.

O aspecto do marido podia explicar, até certo ponto, o terror das duas mulheres. As leis da fisionomia são exactas, não só na sua aplicação ao carácter, mas mesmo em relação à fatalidade da existência. Há fisionomias proféticas. Se fosse possível, e a estatística viva tem a sua importância para a sociedade, obter um desenho fiel dos condenados que morrem na forca, a ciência de Lavater e a de Gall provariam, invencivelmente, que na fisionomia dessas criaturas, até mesmo na das inocentes, há sinais estranhos. Sim, a fatalidade imprime a sua chancela no rosto dos que têm de morrer de morte violenta, seja ela qual for. Ora esse estigma, visível aos olhos do observador, estava impresso no rosto expressivo do homem da carabina.

Atarracado e forte, brusco e ligeiro como um macaco, ainda que de feitio sereno,' Michu tinha a cara branca, injectada de sangue, recolhida como a de um Kalmuk, a que os cabelos ruivos, crespos, davam uma expressão sinistra.





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