O Conde de Monte Cristo - Cap. 110: O libelo acusatório Pág. 1019 / 1080

Todos se voltaram para o procurador régio, que, sob o peso de mil olhares cravados em si, avançou para o recinto do tribunal, cambaleante, com o cabelo em desordem e o rosto congestionado devido à pressão das unhas.

A assistência em peso soltou um longo murmúrio de espanto.

- Pedem-me provas, meu pai - disse Benedetto. - Quer que lhas dê?

- Não, não - balbuciou o Sr. de Villefort em voz estrangulada. - Não, é inútil.

- Como, inútil?! - exclamou o presidente. - Que quer dizer?

- Quero dizer - redarguiu o procurador régio - que me debato em vão sob a pressão mortal que me esmaga, senhores; estou, reconheço-o, na mão do Deus vingador. Nada de provas; não são necessárias. Tudo o que este rapaz acaba de dizer é verdade!

Um silêncio sombrio e pesado como o que precede as catástrofes da natureza envolveu no seu manto de chumbo todos os presentes, cujos cabelos se lhes punham em pé na cabeça.

- O quê, Sr. de Villefort - gritou o presidente -, não estará a ser vítima de uma alucinação?! Tem a certeza de que se encontra na plenitude das suas faculdades? Concebe-se que uma acusação tão estranha, tão imprevista, tão terrível, lhe tenha perturbado o espírito... Vamos, domine-se! O procurador régio abanou a cabeça. Os seus dentes entrechocavam-se com violência, como os de um homem devorado pela febre, e no entanto estava de uma palidez mortal.

- Estou no gozo de todas as minhas faculdades, senhor - respondeu. - Só o corpo sofre, o que se compreende. Reconheço-me culpado de tudo o que este rapaz acaba de dizer contra mim e coloco-me desde já ao dispor, em minha casa, do Sr. Procurador Régio meu sucessor.

E depois de pronunciar estas palavras em voz surda e quase abafada, o Sr. de Villefort dirigiu-se vacilante para a porta, que o oficial de diligência de serviço lhe abriu num gesto maquinal.

Toda a assistência ficou muda e consternada com revelação e a confissão que davam um desenlace tão terrível às várias peripécias que havia quinze dias agitavam a alta sociedade parisiense.

- Que me venham dizer agora que o drama não existe na vida real! - exclamou Beauchamp.

- Palavra de honra que preferiria acabar como o Sr. de Morcerf -disse Château-Renaud. - Um tiro de pistola parece uma ninharia comparado com semelhante catástrofe.

- Mas mata - observou Beauchamp.

- E eu que me passou pela cabeça casar com a filha! – declarou Debray. - Fez muito bem em morrer, meu Deus. Pobre criança!

- A audiência está levantada, meus senhores - disse o presidente -, e o julgamento adiado para a próxima sessão. O processo deve ser instruído de novo e confiado a outro magistrado.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069