O Conde de Monte Cristo - Cap. 22: Os contrabandistas Pág. 180 / 1080

Por outro lado, por viver constantemente na meia-luz e na escuridão, os seus olhos tinham adquirido a singular faculdade de distinguir os objectos durante a noite, como os da hiena e os do lobo.

Edmond sorriu ao ver-se: era impossível que o seu melhor amigo, se ainda lhe restasse um amigo, o reconhecesse. Nem ele se reconhecia a si próprio.

O patrão da Jeune-Amélie, empenhadíssimo em conservar entre os seus um homem do valor de Edmond, oferecera-lhe alguns adiantamentos sobre a sua parte nos lucros futuros, e Edmond aceitara. O seu primeiro cuidado, assim que saiu do barbeiro que acabava de proceder à sua primeira metamorfose, foi pois entrar numa loja e comprar um fato completo de marinheiro. Tal fato, como se sabe, é muito simples: compõe-se de calças brancas, camisa às riscas e barrete frígio.

Foi assim vestido, depois de restituir a Jacopo a camisa e as calças que lhe emprestara, que Edmond reapareceu diante do patrão da Jeune-Amélie, a quem foi obrigado a repetir a sua história. O patrão não queria reconhecer naquele marinheiro elegante o homem de barba espessa, cabelo coberto de algas e corpo a escorrer água do mar que recolhera nu e moribundo na coberta do seu navio.

Entusiasmado com o seu bom aspecto, renovou a Dantès as suas propostas de contratação. Mas Dantès, que tinha os seus projectos, só as aceitou por três meses.

A tripulação da Jeune-Amélie era muito activa e estava submetida às ordens de um patrão que adquirira o hábito de não perder tempo. Por isso, decorridos apenas oito dias desde a sua chegada a Liorne, os flancos arredondados do navio encontravam-se cheios de musselinas estampadas, algodões proibidos, pólvora inglesa e tabaco que a régie do Estado se «esquecera» de selar. Tratava-se de fazer sair tudo isso de Liorne, porto franco, e de o desembarcar nas costas da Córsega, donde certos especuladores se encarregariam de fazer passar o carregamento para França.

Partiram. Edmond cruzou de novo aquele mar azulino, primeiro horizonte da sua juventude, que tantas vezes revira em sonhos na prisão. Deixaram à direita a Górgona e à esquerda Pianosa e rumaram para a pátria de Paoli e Napoleão.

No dia seguinte, ao subir à coberta, o que fazia sempre muito cedo, o patrão encontrou Dantès encostado à amurada do navio e a olhar com expressão estranha um amontoado de rochedos graníticos que o sol nascente inundava de uma luz rosada: era a ilha de Monte-Cristo.

A Jeune-Amélie deixou-a a três quartos de légua, aproximadamente, a estibordo e continuou a navegar para a Córsega.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069