O Conde de Monte Cristo - Cap. 45: A chuva de sangue Pág. 452 / 1080

O que é para si uma emoção pungente, por ter sido actor nesta cena, será para mim uma sensação quase agradável e que duplicará o valor desta propriedade. As árvores, como o Sr. Bertuccio vê, só agradam porque dão sombra, e a própria sombra só agrada porque está cheia de sonhos e visões. Comprei um jardim julgando comprar um mero recinto murado e mais nada, e de repente o recinto revela-se um jardim cheio de fantasmas, de modo algum incluídos na escritura. Ora eu gosto de fantasmas. Talvez porque nunca ouvi dizer que os mortos tenham feito tanto mal em seis mil anos como os vivos fazem num dia. Volte para casa, Sr. Bertuccio, e vá dormir em paz. Se o seu confessor, no momento supremo, for menos indulgente do que foi o abade Busoni, mande-me chamar, se eu for ainda deste mundo, e encontrarei para si palavras que embalarão a sua alma quando estiver prestes a pôr-se a caminho para fazer essa árdua viagem chamada eternidade.

Bertuccio inclinou-se respeitosamente diante do conde e retirou-se, suspirando.

Monte-Cristo ficou só. Deu quatro passos em frente e murmurou:

- Aqui, ao pé deste plátano, a cova onde a criança foi depositada; lá adiante, a portinha por onde se entrava no jardim, àquele canto, a escada oculta que leva ao quarto. Parece-me que não necessito de anotar tudo isto, pois tenho diante dos meus olhos, à minha volta e debaixo dos meus pés, a planta em relevo, a planta viva.

Depois de uma última volta ao jardim, o conde dirigiu-se para a carruagem. Bertuccio, que o achou pensativo, subiu sem dizer nada para o lugar ao lado do cocheiro.

A carruagem retomou o caminho de Paris.

Naquela mesma noite, após chegar à casa dos Campos Elísios, o conde de Monte-Cristo visitou todo o edifício como o faria um homem familiarizado com ele há longos anos. Nem uma só vez, embora fosse à frente, abriu uma porta por outra ou tomou por uma escada ou por um corredor que o não levasse directamente aonde contava ir. Ali acompanhava-o na sua revista nocturna. O conde deu a Bertuccio várias ordens com vista ao embelezamento ou à nova arrumação da casa e, puxando do relógio, disse ao núbio, atento:

- São onze e meia. Haydée não deve tardar. As mulheres francesas estão avisadas?

Ali estendeu a mão para os aposentos destinados à bela grega, que ficavam de tal forma isolados que, ocultando a porta com uma tapeçaria, se podia visitar toda a casa sem suspeitar que havia ali uma sala e dois quartos habitados. Ali, dizíamos, estendeu a mão para os aposentos, fez o número três com os dedos da mão esquerda e, apoiando a cabeça nessa mesma mão, depois de aberta, fechou os olhos como se dormisse.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069