O Conde de Monte Cristo - Cap. 59: O testamento Pág. 577 / 1080

Os olhos de Noirtier lançaram um relâmpago, como que a significar que não se deixava enganar pelo falso assentimento dado pela Sr.ª de Villefort às intenções que ela lhe supunha.

- É então a Mademoiselle Valentine de Villefort que lega esses novecentos mil francos? - perguntou o notário, que julgava nada mais haver a fazer do que registar aquela cláusula, mas que, no entanto, tinha de se assegurar do assentimento de Noirtier e desejava que esse assentimento fosse verificado por todas as testemunhas da estranha cena.

Valentine dera um passo atrás e chorava de olhos baixos. O velho fitou-a um instante com expressão de profunda ternura; depois, virou-se para o notário e piscou os olhos de forma bastante significativa.

- Não? - disse o notário. - Como, não é Mademoiselle Valentine de Villefort quem institui sua herdeira universal?

Noirtier fez sinal que não.

- Não está enganado? - insistiu o notário, atónito. – Quer mesmo dizer não?

- Não! - repetiu Noirtier. - Não!

Valentine levantou a cabeça. Estava estupefacta, não por ser deserdada, mas sim por ter provocado o sentimento que habitualmente dita semelhantes actos.

Mas Noirtier olhou-a com tão profunda expressão de ternura que ela exclamou:

- Oh, meu bom avô, bem vejo que só me priva da sua fortuna! Mas deixar-me-á sempre o seu coração?

- Oh, sim, certamente! - disseram os olhos do paralítico, fechando-se com uma expressão que não podia enganar Valentine.

- Obrigada! Obrigada! - murmurou a jovem.

Entretanto, a rejeição fizera nascer no coração da Sr.ª de Villefort uma esperança inesperada. Aproximou-se do velho e perguntou:

- Então, é ao seu neto Édouard de Villefort que deixa a sua fortuna, caro Sr. Noirtier?

O batimento de pálpebras foi terrível, quase exprimia ódio.

- Não - disse o notário.

- Então, é ao senhor seu filho aqui presente?

- Não - replicou o velho.

Os dois notários entreolharam-se estupefactos. Villefort e a mulher sentiram-se corar, um de vergonha e o outro de cólera.

- Mas que lhe fizemos nós, avô? - perguntou Valentine. – Já não gosta de nós?

O olhar do velho passou rapidamente pelo filho e pela nora e deteve-se em Valentine com expressão de profunda ternura.

- Sendo assim - disse ela -, se de facto me amas, avô, procura conjugar esse amor com o que fazes neste momento. Conheces-me, sabes que nunca pensei na tua fortuna. Aliás, dizem que sou rica pelo lado da minha mãe, demasiado rica até. Vamos, explica-te.

Noirtier cravou o olhar ardente na mão de Valentine.

- A minha mão? - perguntou ela.

- Sim - respondeu Noirtier.

- A sua mão! - repetiram todos os presentes.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069