- Ah, senhores, bem vêem que tudo isto é inútil e que o meu pobre pai está louco! - disse Villefort.
- Oh, compreendo! - exclamou de súbito Valentine. - O meu casamento, não é, avô!
- Sim, sim, sim! - repetiu três vezes o paralítico, e os olhos relampejavam-lhe cada vez que abria as pálpebras.
- Estás zangado connosco por causa do casamento, não é?
- É.
- Mas isso é absurdo? - interveio Villefort.
- Perdão, senhor - redarguiu o notário -, mas, pelo contrário, é muito lógico e parece-me encadear-se perfeitamente.
- Não queres que case com o Sr. Franz de Epinay?
- Não, não quero - exprimiu o olhar do velho.
- E deserda a sua neta por ela casar contra a sua vontade? - perguntou o notário.
- Deserdo - respondeu Noirtier.
- Portanto, sem esse casamento ela seria sua herdeira?
- Sim.
Fez-se um profundo silêncio à volta do velho.
Os dois notários consultavam-se; Valentine, com as mãos juntas, fitava o avô com um sorriso reconhecido; Villefort mordia os lábios delgados e a Sr.ª de Villefort não conseguia reprimir um sentimento de prazer, que, malgrado seu, se lhe reflectia na cara.
- Mas - disse por fim Villefort, o primeiro a quebrar o silêncio - parece-me que sou o único juiz das vantagens que militam a favor da dessa união. Único senhor da mão da minha filha, quero que ela case com o Sr. Franz de Epinay e casará!
Valentine caiu, chorando, numa cadeira.
- Senhor - prosseguiu o notário, dirigindo-se ao velho que tenciona fazer da sua fortuna no caso de Mademoiselle Valentine casar com o Sr. Franz?
O velho permaneceu imóvel.
- Tenciona dispor dela?
- Tenciono - respondeu Noirtier.
- A favor de alguém da sua família?
- Não.
- A favor dos pobres, então?
- Sim.
- Mas - observou o notário - sabe que a lei se opõe a que despoje inteiramente o seu filho?
- Sei.
- Só disporá portanto da parte que a lei o autoriza a dispor.
Noirtier ficou imóvel.
- Continua a querer dispor de tudo?
- Continuo.
- Mas depois da sua morte contestarão o testamento!
- Não.
- O meu pai conhece-me, senhor - interveio Villefort -, e sabe que a sua vontade será sagrada para mim. De resto, compreende que na minha posição não posso pleitear contra os pobres.
O olhar de Noirtier exprimiu triunfo.
- Que decide, senhor? - perguntou o notário a Villefort.
- Nada, senhor. Trata-se de uma resolução firme no espírito do meu pai e sei que o meu pai não muda de resolução. Resigno-me portanto. Esses novecentos mil francos sairão da família para ir enriquecer os hospitais; mas não cederei a um capricho de velho e fá-lo-ei de acordo com a minha consciência.