- Já me bati três vezes com o conde - respondeu o inglês. - A primeira vez, à pistola, a segunda, à espada, e a terceira, ao montante.
- E qual foi o resultado desses duelos?
- Da primeira vez, partiu-me um braço; da segunda vez, traspassou-me um pulmão, e da terceira, fez-me este ferimento.
O inglês baixou o colarinho da camisa, que lhe subia até às orelhas, e mostrou-lhe uma cicatriz cuja vermelhidão indicava ser pouco antiga.
- De forma que o odeio muito - repetiu o inglês - e que desejo, evidentemente, que morra apenas às minhas mãos.
- Mas assim o senhor não leva jeitos de o vir a matar, parece-me - observou o enviado da Prefeitura.
- Hao! - exclamou o inglês. - Vou todos os dias à carreira de tiro e de dois em dois dias Grisier vem a minha casa.
Era o que queria saber o visitante, ou antes, era tudo o que parecia saber o inglês. O agente levantou-se portanto e, depois de cumprimentar Lorde Wilmore, que lhe correspondeu com a rigidez e a cortesia inglesas, retirou-se.
Pela sua parte, Lorde Wilmore, depois de ouvir fechar-se a porta da rua, entrou no seu quarto, onde num ápice perdeu os seus cabelos louros, as suas suíças ruivas, o seu falso maxilar e a sua cicatriz, para readquirir os cabelos pretos, a tez mate e os dentes de pérolas do conde de Monte-Cristo.
Verdade seja que, pelo seu lado, foi o Sr. de Villefort e não o enviado do Sr. Prefeito da Polícia que entrou em casa do mesmo Sr. de Villefort.
O procurador régio ficara um pouco tranquilizado depois das duas visitas, que aliás lhe não tinham revelado nada de tranquilizador, mas que também lhe não haviam dado motivos de inquietação. Daí que, pela primeira vez desde o jantar de Auteuil, dormisse naquela noite um bocadinho mais tranquilo.