A Queda de um Anjo - Cap. 30: Capítulo 30 Pág. 169 / 207

O Calisto vivia bem com todo o mundo e contigo, Teodora, porque se apaixonou pela livralhada, e encheu a cabeça daquelas velhas arolas dos seus clássicos, e não queria saber de mais nada. E, além disso, diz-me tu, prima, que grande amor era o dele por ti? Passavam-se dias e noites que o não vias, senão enterrado na livraria. Nunca lhe vi fazer-te uma meiguice!

— Pois fazia; estás enganado, Lopo — atalhou D. Teodora, molestada no instinto da sua vaidade de esposa.

— Parecia-te isso, prima, porque tu não viste ainda como os bons maridos acariciam as suas mulheres. Nunca te levou aos banhos do mar, precisando tu de tónicos; nunca te levou a festa nenhuma de Miranda nem de Bragança; sendo tu a mais rica herdeira destes arredores, deixou-te viver para aí sujamente, a cuidar em cevados e galinhas. As senhoras que não te chegam em fidalguia aos calcanhares vivem à lei da nobreza, visitam-se, têm os seus bailes, vão às romarias ricamente vestidas; e tu?… Chorava-me o coração quando vim de me formar, e te visitei, e vim dar contigo a cortar couves para fazer a comida dos patos.

— Isso é porque eu gosto.

— Muito embora gostasses; teu marido não devia consentir que o fizesses. Trabalhar é bom e necessário; mas cada qual trabalha segundo a pessoa que é. As senhoras cosem, bordam, marcam, e dão-se a outros muitos cuidados domésticos e limpos. Os serviços que tu fazias pertencem às criadas da cozinha. De maneira que a tua riqueza não te dava o descanso e bem-estar que desfrutam as pessoas da lavoira. Esta casa parecia-me sórdida; e, apesar das grandes sabenças de teu marido, ainda não vi casados que tão estupidamente vivessem!





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