Calafrio - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 28 / 164

Tudo aconteceu de repente; bem no meio da minha hora: as crianças estavam deitadas e eu saíra para o passeio do costume. Um dos pensamentos que costumava acompanhar-me durante estas deambulações era, e hoje não me faz qualquer impressão recorda-lo, o de que seria encantador, tão encantador como a mais encantadora das histórias, encontrar alguém. De repente, ao virar uma esquina, ver-me-ia frente a frente com alguém que de imediato me sorriria como que aprovando todo o meu trabalho. Não pedia mais que isso: que ele soubesse, e a única forma de ter a certeza de que ele sabia seria ver-me face a face com o meu patrão e descobrir o seu rosto perfeito iluminado por um sorriso. Era exactamente nisso em que pensava quando, no final de um longo dia de Junho, saindo de um dos aglomerados de árvores, me imobilizei bruscamente frente à casa. Aquilo que ali me prendeu, com um choque bastante superior ao que qualquer fantasia me teria permitido imaginar, foi a impressão de que, de um momento para o outro, os meus desejos se haviam tornado realidade. Ele estava ali! Mas muito lá em cima, para lá do relvado, mesmo no cimo daquele torreão onde, na primeira manhã, a pequena Flora me conduzira, Este era um dos dois torreões — duas estruturas quadradas, incongruentes, adornadas com ameias — que, embora eu não pudesse notar quaisquer diferenças entre eles, eram conhecidos como o novo e o velho. Flanqueavam a casa e eram provavelmente absurdos arquitectónicos, apenas redimidos por não possuírem uma altura excessiva nem por destoarem de forma gritante do conjunto, ao mesmo tempo que o facto de remontarem à época do revivalismo romântico lhes conferia uma certa respeitabilidade. Admirava-os, tinha as minhas fantasias a seu respeito, pois o seu aspecto, sobretudo ao anoitecer, tinha qualquer coisa de imponente, mas o certo é que aquele estava longe de ser o cenário onde esperara encontrar a figura por mim tantas vezes invocada.

À luz clara do entardecer, aquela imagem provocou-me, recordo-me perfeitamente, dois sobressaltas claramente distintos: o choque de uma primeira e depois de uma segunda surpresa. A segunda traduziu-se pela violenta percepção do erro da primeira: o homem que tinha diante dos olhos não era a pessoa que, com a pressa, começara por julgar que fosse.





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