Esperei e voltei a esperar, e, à medida que os dias passavam, sentia-me mais leve. Alguns deles, de facto, vividos na companhia constante dos meus pupilos sem que se registasse um único incidente, foram o bastante para que eu de imediato passasse uma espécie de esponja por todas aquelas fantasias deveras ociosas e detestáveis. Já antes mencionei o acto de me entregar à graça deliciosamente infantil daquelas crianças como uma forma de me animar, dai que não seja difícil imaginar o quanto eu agora recorria a este estratagema no intuito de acalmar as minhas inquietações. No entanto, mais estranho ainda era o meu esforço para lutar contra as novas informações. Porém, talvez isto tenha contribuído para diminuir a tensão em que me encontrava. Costumava interrogar-me sobre a possibilidade de aquelas criaturinhas amorosas conseguirem adivinhar os estranhos pensamentos que eu nutria a seu respeito; e o facto de eles apenas as tornarem ainda mais atraentes não significava propriamente que se mantivessem escondidos. Eu tremia perante a possibilidade de as crianças se aperceberem da forma como se tornavam mais interessantes. Para complicar as coisas, eu pensava muitas vezes que qualquer nuvem sobre a sua inocência serviria apenas como forma de justificar todos os riscos que eu pudesse vir a correr. Momentos havia em que dava por mim a ceder ao impulso irresistível que, vindo de não sei onde, me levava a apertá-los contra o coração. Assim que o fazia, costumava pensar: «Que pensarão eles desta atitude? Não estarei a trair demasiado?» Teria sido fácil cair numa triste e louca indecisão quanto ao que estaria a trair, mas, apesar de todos os meus medos, as horas que passava junto àquelas crianças encantadoras funcionavam como um verdadeiro bálsamo para os nervos. Por fim, acabou por me ocorrer que, tal como as minhas súbitas demonstrações de paixão podiam levantar suspeitas, não haveria um não-sei-quê de estranho no facto de, de um momento para o outro, eles se mostrarem ansiosos por me agradar?