Lembro-me de tudo ter começado por entre uma sucessão de sobressaltos, enquanto eu pesava ininterruptamente os prós e os contras de semelhante aventura. Nos dias que se seguiram ao último encontro, o sentimento dominante caracterizou-se por um enorme mal-estar, e as dúvidas que me atormentavam diziam-me que acabara de cometer um erro grave. Foi neste estado de espírito que efectuei a viagem dentro da carruagem que não parava de baloiçar e que devia deixar-me na paragem onde um outro veículo, este propriedade do meu novo patrão, se encarregaria de me levar àquele que seria o meu destino. Fui informada de que estava tudo preparado, e, à minha espera, vi um confortável cabriolé. Visto estar um dia maravilhoso, atravessar àquela hora uma região onde imperava a doçura característica do Estio constituiu, sem dúvida, a melhor das recepções, e, quando, depois de uma curva, entramos no caminho principal, a reviravolta emocional que em mim se operou talvez possa funcionar como a prova exacta do estado de desespero em que antes me encontrara mergulhada. É bastante provável que estivesse à espera (ou, pelo menos, assim o receasse) de encontrar algo de tal forma pavoroso e assustador que o cenário que me acolheu se revelou uma excelente surpresa. A fachada da casa, ampla e clara, com as janelas rasgadas e as cortinas brancas, produziu em mim uma impressão assaz agradável, o mesmo se passando com as duas criadas que me olhavam. Recordo ainda o relvado, as flores coloridas, o ruído provocado pelas rodas ao avançar ao longo do carreiro coberto de cascalho, bem como as árvores de copas frondosas por sobre as quais as gralhas voavam em círculos, recortando-se contra a luz dourada do sol. Tratava-se de um cenário de tal forma imponente, que o contraste entre ele e o da casa onde cresci não podia ser maior. Quase no mesmo instante, e trazendo uma rapariguinha pela mão, surgiu à porta uma pessoa de aparência educada, que me saudou com uma vénia por mim considerada digna da dona da casa ou de um qualquer visitante ilustre.