O facto de ela me virar as costas não foi, felizmente, um obstáculo ao crescimento daquilo a que posso chamar um sentimento de estima que acabou por crescer entre nós. Depois de eu chegar a casa na companhia do pequeno Miles, foi com urgência que dela me aproximei, tão estupefacta me sentia ao saber que alguém se atrevera a ditar uma sentença de tal forma monstruosa a uma criança como aquela. Cheguei um pouco atrasada ao local onde devia encontrar-me com ele e, assim que o vi à minha espera, parado frente à porta da estalagem onde o cocheiro o deixara, senti-me invadida por um sentimento de pureza só comparável àquele que de mim se apoderara quando vi a irmã pela primeira vez. O garoto era incrivelmente bonito, e Mrs. Grose acertara em cheio: bastava vê-lo para sermos invadidos por uma ternura de tal forma apaixonada, que tudo o mais deixava de fazer qualquer sentido. Aquilo que de pronto conquistou o meu coraçáo foi algo de divino que não voltei a encontrar (pelo menos ao mesmo nível) em qualquer outra criança: como se tudo o que aquele ser sabia a respeito do mundo se resumisse a amor. Seria impensável que criatura alguma pudesse ser tão doce e inocente e possuir má reputação, dai que, ao regressar a Bly na companhia de Miles, não podia estar mais espantada — já para não dizer indignada — com o conteúdo daquela carta horrível, que eu mesma me encarregara de fechar numa das gavetas do meu quarto. Assim que pude trocar algumas palavras com Mrs. Grose, de pronto declarei que se tratava de uma coisa grotesca.
Ela de imediato me compreendeu.
— Está a falar daquela acusação cruel...?
— E que não tem a menor consistência! Minha cara senhora, basta olhar para ele!
A mulher sorriu perante a minha pretensão de ter descoberto os encantos do garoto.
— Garanto-lhe, menina, que pouco mais faço para além de olhar para ele! Já agora, que vai dizer-lhes?—tratou ela de acrescentar quase no mesmo instante.