Deixei-me ficar mais alguns instantes no cimo das escadas, embora estivesse certa de que aquele estranho visitante já ali não se encontrava, que partira e como que se desvanecera. Só então regressei ao quarto. Aquilo que de imediato me saltou à vista foi compreender que, à luz da vela que ali deixara acesa, a cama da pequena Flora se encontrava vazia. Perante semelhante panorama, contive a respiração, incapaz de enfrentar o sentimento de terror que, há apenas cinco minutos, conseguira dominar na perfeição. Corri para o lugar onde a vira pela última vez, para descobrir que os lençóis se encontravam revolvidos e que as cortinas brancas haviam sido puxadas para a frente. Depois, para meu grande alivio, escutei um som abafado. Desviei os olhos para o cortinados e, de gatas, vi-a aparecer vinda de um dos lados. Lá estava ela, a candura em pessoa, os pés muito rosados a surgir por entre as pregas da camisa de noite, os caracóis dourados muito brilhantes. Fitava-me com uma intensidade tal, que senti estar prestes a perder a vantagem que acabara de adquirir e que tanta emoção me havia causado. Foi então que, em tom de censura, a garotinha me perguntou:
— Marota! Onde foi que se meteu? — Ao invés de lhe pedir explicações pelo seu procedimento, dei por mim a tentar justificar-me. Depois ela própria se explicou com uma simplicidade encantadora. Apesar de adormecida, apercebera-se subitamente de que eu não me encontrava no quarto, depois do que se levantara de um salto para saber o que fora feito de mim. Quando a vira reaparecer deixara-me cair na cadeira, e agora era como se me sentisse prestes a desmaiar. Ao aperceber-se do estado em que me encontrava, Flora correu para mim e sentou-se ao meu colo, dando-me assim a oportunidade de contemplar à luz da vela o seu pequeno rosto maravilhoso, onde ainda era possível detectar vestígios de sono. Lembro-me de fechar os olhos durante breves instantes, como que subjugada pelo excesso de beleza que aquela criança irradiava.