Um Caso Tenebroso - Cap. 13: XIII – UM BOM CONSELHO Pág. 141 / 249

- Não são vocês que hão-de visitar um pobre velho como eu - disse ele com finura, como quem faz uma censura aos seus jovens parentes.

- Porque virá ele a nossa casa? - perguntava o Senhor de Hauteserre aos seus botões,

O Senhor de Chargeboeuf, bonito velho de sessenta e sete anos, de calções desataviados, perninhas delgadas e meias sarapintadas, levava um crapaud, pó de arroz e asas de pombo, e apresentava-se com casaca de caça, de pano verde, com botões de oiro, que tinha alam ares de oiro também. O colete branco, com enormes bordados a oiro, deslumbrava. Esta indumentária, em moda ainda entre as pessoas idosas, dizia muito bem com a fisionomia do velho, muito parecida, aliás, com a do grande Frederico. Nunca punha na cabeça o tricórnio para não afectar a meia-lua desenhada no crânio por uma camada de pó de arroz. Apoiava-se, com a mão direita, numa bengala com castão em nariz de papagaio, segurando a bengala e o chapéu com um gesto digno de Luís XIV. Este digno ancião tirou dos ombros uma capa de seda acolchoada e enterrou-se numa poltrona, conservando em cima dos joelhos o tricórnio e a bengala, numa pose cujo segredo fora apanágio dos dissolutos da corte de Luís XV, pose esta que deixava as mãos livres para brincarem com a caixa de rapé, jóia sempre preciosa. Eis porque o marquês extraiu da algibeira do colete, que se fechava com uma aba bordada a arabescos de oiro, uma rica caixa de rapé. Enquanto preparava a pitada e oferecia rapé aos presentes com outro gesto encantador, acompanhado de olhares afectuosos, notou quão agradável era para todos a sua visita. Compreendeu então porque os jovens emigrados não tinham sido correctos com ele. Pareceu dizer de si consigo: «Quando se ama não se visitam os amigos».





Os capítulos deste livro