Um Caso Tenebroso - Cap. 20: XX – HORRÍVEL PERIPÉCIA Pág. 220 / 249

A Senhora de Hauteserre caiu doente e guardou o leito três meses, no solar de Chargeboeuf. O pobre Senhor de Hauteserre voltou pachorrentamente para Cinq-Cygne; mas, minado por uma dessas mágoas de velho já sem nenhuma das distracções da juventude, passou a ter, com frequência, momentos de um alheamento tal que o cura se convencia de que o pobre pai estava sempre em vésperas da sentença fatal. Não houve que julgar a bela Marta, pois morreu na cadeia vinte dias depois da condenação do marido, recomendando o filho a Laurence, em cujos braços expirou. Uma vez conhecida a sentença, acontecimentos políticos da mais alta importância abafaram a memória do processo, de que não mais se falou. A sociedade procede como o Oceano: retoma o seu nível, o seu movimento, após um desastre, e apaga-lhe os vestígios com a agitação dos seus interesses devoradores.

Se não fosse a sua firmeza de alma ê a convicção da inocência de seus primos, Laurence teria sucumbido; mas deu novas provas da grandeza do seu carácter, surpreendendo o Senhor de Granyille e Bordin com a serenidade aparente que as desgraças extremas imprimem nas belas almas. Velava a Senhora de Hauteserre e cuidava dela, e ia todos os dias duas horas à prisão. Declarou que casaria com um dos seus primos quando eles partissem para os trabalhos forçados.

- Trabalhos forçados! - exclamou Bordin. Mas, menina, agora tratemos é de implorar o perdão ao imperador.

- O perdão, e a um Bonaparte? - exclamou

Laurence, horrorizada.

As lunetas do velho e digno procurador caíram-lhe do nariz; apanhou-as no ar antes que elas se partissem; olhou para a jovem agora com todo o aspecto de uma mulher; compreendeu este carácter em toda a sua extensão; pegou no braço do marquês de Chargeboeuf e disse-lhe:

- Senhor marquês: corramos a laris e tratemos de os salvar sem ela.





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