- É por isso que me sinto tão feliz por o ver - continuou o abade -, embora me tenha interrompido na altura em que fazia um cálculo muito importante que, se for bem sucedido, talvez modifique o sistema de Newton. Pode conceder-me o favor de uma palavrinha em particular?
- Bem, que dizia eu? - observou o governador ao inspector.
- O senhor conhece a sua gente - respondeu este último sorrindo.
E dirigindo-se ao abade Faria:
- Senhor, o que me pede é impossível.
- No entanto - insistiu o abade -, trata-se de fazer ganhar ao governo uma importância enorme, uma soma de cinco milhões, por exemplo...
- Formidável! - exclamou o inspector, virando-se por sua vez para o governador. - O senhor previu até a importância.
- Vejamos - prosseguiu o abade, notando que o inspector fazia um movimento para se retirar. - Não é necessário que estejamos absolutamente sós; o Sr. Governador poderá assistir à nossa conversa.
- Meu caro senhor - interveio o governador -, para seu mal, sabemos antecipadamente e de cor o que vai dizer. Trata-se dos seus tesouros, não é verdade? Faria olhou aquele homem zombeteiro com olhos onde um observador desinteressado teria decerto visto brilhar a faísca da razão e da verdade.
- Sem dúvida - respondeu - De que quer o senhor que eu fale a não ser disso?
- Sr. Inspector - continuou o governador -, posso contar-lhe essa história tão bem como o abade, pois há quatro ou cinco anos que me enche os ouvidos com ela.
- Isso prova, Sr. Governador - redarguiu o abade -, que é como essas pessoas de que fala a Escritura, que têm olhos e não vêem e têm ouvidos e não ouvem.
- Meu caro senhor - disse o inspector -, o Governo é rico e graças a Deus, não precisa do seu dinheiro. Guarde-o, pois, para o dia em que sair da prisão.
Os olhos do abade dilataram-se. Pegou na mão do inspector.
- Mas se não sair da prisão - observou -, se, contra toda a justiça, me retiverem nesta masmorra e aqui morrer sem legar o meu segredo à ninguém, esse tesouro perder-se-á? Não épreferívelque o Governo o aproveite e eu também? Irei até seis milhões, senhor. Sim, renunciarei a seis milhões e contentar-me-ei com o resto se me restituírem à liberdade.
- Palavra - disse o inspector a meia voz -, se não soubéssemos que este homem está louco era caso para acreditar. Fala em tom tão convicto que parece dizer a verdade.
- Não estou louco, senhor, e digo a verdade - insistiu Faria, que, com a finura de ouvido peculiar aos prisioneiros, não perdera uma única das palavras do inspector. - O tesouro de que lhe falo existe realmente e proponho-me assinar um acordo convosco em virtude do qual me conduzirão ao sítio designado por mim.