O governador desatou a rir.
- Está muito longe daqui o seu tesouro? - perguntou.
- A cem léguas, pouco mais ou menos - respondeu Faria.
- A coisa não está mal imaginada - observou o governador. – Se todos os prisioneiros quisessem divertir-se a passear os seus guardas durante cem léguas, e se os guardas consentissem em fazer semelhante passeio, seria uma excelente oportunidade para os prisioneiros arranjarem maneira de se evadir na primeira ocasião, a qual, decerto, não deixaria de surgir.
- É um meio conhecido - comentou o inspector - e o cavalheiro nem sequer tem o mérito da invenção.
Depois, virando-se para o abade:
- Perguntei-lhe se era bem alimentado.
- Senhor - respondeu Faria -, jure-me sobre o Cristo libertar-me se lhe tiver dito a verdade e indicar-lhe-ei o sítio onde o tesouro está enterrado.
- É bem alimentado? - repetiu o inspector.
- Senhor, não arrisca nada assim e bem vê que não é para arranjar uma oportunidade de fugir que lhe faço esta proposta, pois ficarei na prisão enquanto fizer a viagem.
- Não respondeu à minha pergunta - observou com impaciência o inspector.
- Nem o senhor à minha proposta! - exclamou o abade. - Seja portanto maldito como os outros insensatos que me não quiseram acreditar! Já que não quer o meu ouro, guardá-lo-ei; recusa-me a liberdade, Deus mandar-ma-á. Vá-se embora, não tenho mais nada a dizer.
E o abade largou o cobertor, voltou a pregar no seu bocado de gesso e foi-se sentar de novo no meio do seu círculo, onde continuou entregue às suas linhas e aos seus cálculos.
- Que está a fazer? - perguntou a inspector ao retirar-se.
- A contar os seus tesouros - respondeu o governador.
Faria retribuiu o sarcasmo com um olhar carregado do mais supremo desprezo.
Saíram. O carcereiro fechou a porta atrás deles.
- Deve ter, com efeito, possuído alguns tesouros - disse o inspector ao subirem a escada.
- Sim, deve ter sonhado que os possuía - respondeu o governador - e no dia seguinte acordou louco.
- Efectivamente - admitiu o inspector com a simplicidade de quem admite a corrupção -, se fosse realmente rico não estaria preso.
Assim terminou a aventura para o abade Faria. Continuou prisioneiro e depois desta visita a sua reputação de louco divertido ainda mais aumentou.