O Conde de Monte Cristo - Cap. 111: Expiação Pág. 1027 / 1080

Quis correr atrás de Monte-Cristo; mas como num sonho, sentiu os pés criarem raízes, os olhos dilatarem-se-lhe a ponto de quase lhe saltarem das órbitas, e os seus dedos recurvados no peito cravaram-se gradualmente na carne até o sangue lhe avermelhar as unhas. Por fim, as veias das têmporas encheram-se-lhe de espíritos irrequietos, que lhe levantaram a abóbada muito estreita do crânio e lhe mergulharam o cérebro num dilúvio de fogo.

Aquela imobilidade durou vários minutos, até se concluir a horrível subversão da razão.

Então, soltou um grande grito, seguido de uma longa gargalhada, e precipitou-se para a escada.

Um quarto de hora depois o quarto de Valentine voltou a abrir-se e o conde de Monte-Cristo reapareceu.

Pálido, com os olhos tristes e o peito opresso, todas as feições daquele rosto habitualmente tão calmo e tão nobre estavam transtornadas pela dor. Trazia nos braços o garoto, ao qual nenhum socorro pudera restituir a vida.

Pôs um joelho no chão e depositou-o religiosamente ao pé da mãe, com a cabeça pousada no peito dela.

Depois levantou-se, saiu e perguntou a um criado que encontrou na escada:

- Onde está o Sr. de Villefort? Sem responder, o criado apontou para o lado do jardim. Monte-Cristo desceu a escadaria, encaminhou-se para o sítio indicado e viu, no meio dos criados que formavam círculo à volta dele, Villefort, de enxada na mão a revolver a terra com uma espécie de raiva.

- Ainda não é aqui - dizia. - Ainda não é aqui...

E cavava mais longe.

Monte-Cristo aproximou-se dele e disse-lhe baixinho, em tom quase humilde:

- Perdeu um filho, mas...

Villefort interrompeu-o; não ouvira nem compreendera.

- Oh, hei-de encontrá-lo! - gritou. - Escusa de dizer que não está aqui, pois hei-de encontrá-lo nem que tenha de procurá-lo até ao dia do Juízo Final.

Monte-Cristo recuou aterrado.

- Enlouqueceu! - exclamou.

E como se receasse que as paredes da casa maldita se abatessem sobre si, correu para a rua, duvidando pela primeira vez que tivesse o direito de fazer o que fizera.

- Oh, basta, basta! - gritou. - Salvemos o último.

Ao chegar a casa, Monte-Cristo encontrou Morrel, que vagueava pelo palácio dos Campos Elísios, silencioso como um fantasma que esperasse o momento fixado por Deus para regressar ao seu túmulo.

- Prepare-se, Maximilien - disse-lhe com um sorriso. Saímos de Paris amanhã.

- Já não tem mais nada a fazer aqui? - perguntou Morrel.

- Não - respondeu Monte-Cristo -, e Deus queira que não tenha feito de mais.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069