Monte-Cristo ergueu os olhos ao céu, mas não viu o céu: havia um véu de pedra entre ele e o firmamento. Pensou que houvera um véu não menos espesso entre os olhos daqueles a quem o abade Faria oferecia tesouros e os tesouros que lhes oferecia.
- Os prisioneiros podiam ver-se? - perguntou Monte-Cristo.
- Oh, não, senhor, era expressamente proibido! Mas eles eludiram a proibição abrindo uma galeria que ia de uma cela à outra.
- E qual dos dois abriu a galeria?
- O mais novo, com certeza - respondeu o porteiro. - O rapaz era engenhoso e forte, ao passo que o pobre abade era velho e fraco. Além disso, tinha o espírito demasiado vacilante para seguir uma ideia.
- Cegos!... - murmurou Monte-Cristo.
- Seja como for - continuou o porteiro -, o mais novo abriu a galeria. Com quê? Ninguém sabe. Mas abriu-a, e a prova é que ainda se vêem sinais dela. Repare, não os vê? E aproximou o archote da parede.
- Sim, realmente... - respondeu o conde, com a voz embargada pela emoção.
- Daí resultou que os dois prisioneiros comunicaram um com o outro. Quanto tempo durou a comunicação? Ninguém sabe. Ora, um dia o prisioneiro velho adoeceu e morreu. Adivinha o que fez o novo? - perguntou o porteiro, interrompendo-se.
- Diga.
- Apoderou-se do defunto, que deitou na sua própria cama com a cara virada para a parede, voltou à cela vazia, tapou o buraco e meteu-se no saco do morto. Já viu semelhante ideia?
Monte-Cristo fechou os olhos e sentiu-se passar de novo por todas as impressões que experimentara quando aquela tela grosseira, ainda impregnada do frio do cadáver, lhe tocara na cara.
O porteiro continuou:
- Veja o senhor qual era o seu plano: julgava que enterravam os mortos no Castelo de If, e como estava convencido de que não gastavam dinheiro com caixões para os presos, contava levantar a terra com os ombros. Mas infelizmente havia no castelo um costume que prejudicava o seu plano: não enterrávamos mortos; limitavam-se a prender-lhes um pelouro aos pés e a lançá-los ao mar. Foi o que se fez e o nosso homem foi lançado à água do alto da galeria. No dia seguinte encontraram o verdadeiro morto na sua cama e adivinharam tudo, porque os coveiros disseram então o que se não tinham atrevido a dizer até ali, isto é, que no momento em que o corpo fora lançado no vácuo tinham ouvido um grito terrível, abafado imediatamente pela água, na qual desaparecera.
O conde respirou penosamente. O suor corria-lhe pela testa e a angústia apertava-lhe o coração.
- Não - murmurou -, não! A dúvida que experimentei era um princípio de esquecimento. Mas aqui o coração sangra de novo e volta a sentir-se faminto de vingança. E o prisioneiro, nunca mais ouviram falar dele? - perguntou.