Não tardava que, acompanhado do barulho medonho das vagas, o aspecto dos rochedos cortantes me anunciasse a morte, e a morte aterrorizava-me. Empregava todos os esforços para lhe escapar e reunia todas as forças do homem e toda a inteligência do marinheiro para lutar com Deus!... Porque então era feliz, porque voltar à vida era voltar à felicidade, porque não chamara aquela morte, não a escolhera, porque, enfim, me parecia duro dormir naquele leito de algas e seixos, porque me indignava - eu que me julgava uma criatura feita à imagem de Deus - servir depois da minha morte de pasto aos alcatrazes e aos abutres. Mas hoje o caso é diferente: perdi tudo o que podia fazer-me amar a vida, hoje a morte sorri-me como uma ama à criança que vai embalar. Mas hoje morro como quero, e adormeço exausto e quebrado como adormecia depois de uma daquelas noites de desespero e raiva durante as quais chegava a contar três mil voltas no meu quarto, isto é, trinta mil passos, ou seja cerca de dez léguas.
Desde que este pensamento germinou no espírito do jovem este tornou-se mais tratável, mais sorridente. Aceitou melhor o leito duro e o pão negro, comeu menos, deixou de dormir e achou quase suportável aquele resto de existência que tinha a certeza de abandonar quando lhe apetecesse, como deixamos uma peça de roupa velha.
Havia duas maneiras de morrer. Uma era simples: tratava-se de prender o lenço a um varão da janela e enforcar-se. A outra consistia em fingir comer e deixar-se morrer de fome. A primeira repugnou profundamente a Dantès.
Criara-se no horror aos piratas, gente que se enforca nas vergas dos navios. O enforcamento era portanto para ele uma espécie de suplício infamante que recusava aplicar a si mesmo. Adoptou, pois, a segunda e pô-la em execução naquele próprio dia.
Tinham decorrido cerca de quatro anos nas alternativas que relatámos. Ao fim do segundo, Dantès deixara de contar os dias e recaíra na ignorância do tempo de que outrora o tirara o inspector.
Dantès dissera: «Quero morrer», e escolhera o seu género de morte. Então, encarara-o bem de frente e, com medo de voltar atrás na sua decisão, jurara a si mesmo morrer assim. «Quando me servirem as refeições da manhã e da tarde», pensara, «atirarei a comida pela janela e parecerei que comi.»
Procedeu como prometera a si próprio proceder. Duas vezes por dia, através da aberturazinha gradeada que só lhe permitia distinguir o céu, lançava fora a comida, primeiro alegremente, depois com reflexão e depois com pesar. Precisou de recorrer à lembrança do juramento que fizera a si mesmo para ter a coragem de prosseguir o terrível desígnio.