O abade sorriu.
- Pensava em duas coisas, não era o que dizia há pouco?
- Era.
- E deu-me a conhecer a primeira. Qual é a segunda?
- A segunda é que o senhor me contou a sua vida e não sabe nada a respeito da minha.
- A sua vida, rapaz, é muito curta para encerrar acontecimentos de qualquer importância.
- Encerra uma enorme desgraça - declarou Dantès. – Uma desgraça que eu não merecia. E desejaria, para não voltar a blasfemar contra Deus como fiz algumas vezes, poder atribuir aos homens a minha desgraça.
- Diz que está inocente do crime que lhe imputam?
- Completamente inocente, juro sobre a cabeça das duas únicas pessoas que me são queridas: sobre a cabeça de meu pai e sobre a cabeça de Mercédès.
- Vejamos - declarou o abade, fechando o esconderijo e empurrando a cama para o seu lugar -, conte-me a sua história.
Dantès contou então o que chamava a sua história e que se limitava a uma viagem à índia e a duas ou três viagens ao Levante. Finalmente chegou à sua última travessia, à morte do comandante Leclère, ao embrulho entregue por ele para o grande marechal, ao encontro com este, à carta entregue por ele e dirigida ao Sr. Noirtier e finalmente à sua chegada a Marselha, à sua festa de noivado, à sua prisão, o seu interrogatório, à sua detenção provisória no Palácio da Justiça e por último à sua prisão definitiva no Castelo de If.
Chegado a este ponto, Dantès não sabia mais nada, nem mesmo o tempo a que já estava preso.
Terminado o relato, o abade reflectiu profundamente.
- Há - disse ao cabo de um instante - um axioma de direito de uma grande profundidade. Voltando ao que lhe dizia há pouco, amenos que os meus pensamentos provenham de uma organização falseada, à natureza humana repugna o crime. Contudo, a civilização moderna deu-nos necessidades, vícios, apetites fictícios, etc., que por vezes conseguem abafar os nossos bons instintos e conduzir-nos ao mal. Daí esta máxima: «Se quereis descobrir o culpado, começai por procurar aquele a quem o crime cometido possa ser útil!» A quem poderia ser útil o seu desaparecimento?
- A ninguém, meu Deus! Eu era tão insignificante.
- Não responda assim, porque à resposta falta ao mesmo tempo lógica e filosofia. Tudo é relativo, meu caro amigo, desde o rei que incomoda o seu futuro sucessor até ao empregado que incomoda o supranumerário. Se o rei morre, o sucessor herda uma coroa; se o empregado morre, o supranumerário herda mil e duzentas libras de ordenado. As mil e duzentas libras de ordenado são a sua lista civil e são-lhe tão necessárias para viver como os doze milhões de um rei.