- Pode presumir que o seu substituto tivesse algum interesse em que a carta desaparecesse?
- Talvez: porque me fez prometer duas ou três vezes, no meu interesse, dizia ele, não falar a ninguém na carta, e obrigou-me a jurar que não pronunciaria o nome inscrito no endereço.
- Noirtier... - repetiu o abade. - Noirtier... Conheci um Noirtier na corte da antiga rainha da Etrúria, um Noirtier que fora girondino durante a Revolução. Como se chamava o seu substituto?
- Villefort
O abade desatou a rir. Dantès olhou-o estupefacto.
- Que tem o senhor? - perguntou.
- Vê esse raio de luz? - inquiriu o abade.
- Vejo.
- Pois bem, agora é tudo mais claro para mim do que esse raio transparente e luminoso. Pobre criança, pobre rapaz! E esse magistrado foi bom para si?
- Foi
- Esse digno substituto queimou, destruiu a carta?
- Sim.
- Esse honesto fornecedor do carrasco obrigou-o a jurar que nunca mais pronunciaria o nome de Noirtier?
- Obrigou.
- Esse Noirtier, pobre cego, sabe quem era esse Noirtier? Esse Noirtier era o pai dele!
Um raio que tivesse caído aos pés de Dantès e cavado um abismo no fundo do qual se abrisse o Inferno, ter-lhe-ia produzido efeito menos rápido, menos eléctrico, menos esmagador, do que aquelas palavras inesperadas. Levantou-se e agarrou a cabeça com as mãos, como se quisesse impedi-la de rebentar.
- Seu pai! Seu pai! - gritou.
- Sim, seu pai, que se chama Noirtier de Villefort - acrescentou o abade.
Então uma luz fulgurante atravessou o cérebro do prisioneiro e tudo o que até ali lhe parecera obscuro foi de súbito iluminado por uma claridade deslumbrante. As tergiversações de Villefort durante o interrogatório, a carta destruída, o juramento exigido, a voz quase suplicante do magistrado que, em vez de ameaçar, parecia implorar, tudo lhe veio à memória. Soltou um grito e cambaleou um instante como um homem ébrio. Depois, correu para a abertura que conduzia da cela do abade à sua dizendo:
- Oh, preciso de estar só para pensar em tudo isso!
Mal chegou à sua masmorra atirou-se para cima da cama, onde o carcereiro o encontrou à tardinha, sentado, de olhos fixos e as feições contraídas, imóvel e mudo como uma estátua.
Durante as horas de meditação que entretanto tinham passado como segundos tomara uma terrível resolução e fizera um formidável juramento. Uma voz arrancou Dantès ao seu devaneio; a do abade Faria que, tendo recebido por sua vez a visita do carcereiro, vinha convidar Dantès para jantar com ele. A sua qualidade de louco reconhecido e sobretudo de louco divertido valia ao velho prisioneiro alguns privilégios, como o de receber pão um pouco mais branco e uma garrafinha de vinho ao domingo.