Esta ideia servia-me de vingança e eu saboreava-a lentamente, de noite, na minha masmorra, e no desespero do meu cativeiro. Mas agora que perdoei ao mundo graças a você, agora que o vejo jovem e cheio de futuro, agora que penso em tudo o que pode resultar para si de felicidade depois de semelhante revelação, receio qualquer demora e temo não ter tempo de assegurar a um proprietário tão digno como você a posse de tantas riquezas ocultas.
Edmond virou a cabeça suspirando.
- Persiste na sua incredulidade, Edmond - prosseguiu Faria. - A minha voz não o convenceu? Vejo que quer provas. Pois bem, leia este papel que ainda não mostrei a ninguém.
- Amanhã, meu amigo - respondeu Edmond, a quem repugnava prestar-se à loucura do velho. - Julguei que tínhamos combinado só falar disso amanhã
- Falaremos amanhã, mas leia este papel hoje.
«é melhor não o irritar», pensou Edmond.
E pegando no papel, a que faltava metade, sem dúvida consumida pelo fogo em qualquer acidente, leu:
Este tesouro, que pode ascender a dois de escudos romanos, no canto mais a da segunda abertura, o qual lego e cedo em prop deiro.
25 de abril de 1498
- Então? - perguntou Faria quando o rapaz terminou a leitura.
- Mas - respondeu Dantès - só vejo aqui linhas truncadas, palavras sem sentido. Os caracteres estão interrompidos pela acção do logo e são ininteligíveis.
- Para si, meu amigo, que os lê pela primeira vez, mas não para mim que matei a cabeça a estudá-los durante muitas noites, reconstituí cada frase e completei cada pensamento.
- E acredita ter descoberto esse sentido interrompido? - Estou certo disso, como você mesmo verificará. Mas primeiro ouça a história deste papel.
- Silêncio! - exclamou Dantès. - Passos!... Aproximam-se... Vou-me embora... Adeus!
E Dantès, feliz por escapar à história e à explicação que só serviriam para lhe confirmar a desgraça do amigo, deslizou como uma cobra pela estreita galeria, enquanto Faria, a quem o terror restituíra uma espécie de actividade, empurrava com o pé a laje e a cobria com uma esteira, a fim de ocultar à vista a solução de continuidade que não tivera tempo de fazer desaparecer.
Era o governador que, tendo sabido pelo carcereiro do acidente de Faria, vinha assegurar-se pessoalmente da sua gravidade.
Faria recebeu-o sentado, evitou qualquer gesto comprometedor e conseguiu ocultar ao governador a paralisia que já ferira de morte metade da sua pessoa. O seu receio era que o governador, compadecido dele, o quisesse meter numa cela mais saudável e o separasse assim do seu jovem companheiro.