Entretanto, sentado na cama com a cabeça entre as mãos, Edmond procurava ordenar os seus pensamentos. Em Faria era tudo tão racional, tão grande e tão lógico desde que o conhecia que não podia compreender tão suprema sensatez sob todos os aspectos aliada ao desatino sob um único. Era Faria que estava enganado acerca do seu tesouro ou era toda a gente que estava enganada acerca de Faria?
Dantès permaneceu na sua cela durante todo o dia, sem ousar voltar à do amigo. Procurava adiar assim o momento em que adquiriria a certeza de que o abade estava louco. Tal convicção seria horrível para ele.
Mas para a noite, depois da hora da visita rotineira, Faria, ao vendo aparecer o rapaz, tentou transpor o espaço que o separava dele. Edmond estremeceu ao ouvir os esforços dolorosos que fazia o velho para se arrastar: a perna estava inerte e já só se podia ajudar com o braço. Edmond viu-se obrigado a puxá-lo para si, porque de contrário jamais poderia sair sozinho pela estreita abertura que desembocava na cela de Dantès.
- Cá estou, impiedosamente encarniçado na sua perseguição - declarou com um sorriso radiante de benevolência. - Julgou que podia escapar à minha magnificência, mas enganou-se. Ora ouça.
Edmond viu que não podia recuar. Ajudou o velho a sentar-se na cama e colocou-se junto dele no banquinho.
- Como sabe - principiou o abade -, era o secretário, o familiar, o amigo do cardeal Spada, o último dos príncipes deste nome. Devo a esse digno fidalgo toda a felicidade que tive nesta vida. Não era rico, embora as riquezas da sua família fossem proverbiais e eu tenha ouvido dizer: «Rico como um Spada.» Mas ele, como a voz pública, não tinha nada em que basear essa fama de opulência. O seu palácio foi o seu paraíso. Eduquei-lhe os sobrinhos, que morreram, e quando ficou só no mundo restituí-lhe, por meio de uma submissão absoluta aos seus desejos, tudo o que fizera por mim havia dez anos. A casa do cardeal em breve deixou de ter segredos para mim. Vi muitas vezes Sua Eminência trabalhar, compulsar livros antigose remexer avidamente na poeira dos manuscritos de família. Um dia, quando lhe censurava as suas vigílias inúteis e a espécie de abatimento que se lhes seguia, olhou-me sorrindo amargamente e abriu-me um livro com a história da cidade de Roma. Aí, no vigésimo Capítulo, que tratava da vida do Papa Alexandre VI, havia as seguintes linhas que nunca mais pude esquecer: "As grandes guerras da Romanha estavam terminadas.