Contenta-te com aminha amizade porque, repito-te, é tudo o que te posso oferecer, e eu só ofereço aquilo que estou certa de poder dar.
- Compreendo - disse Fernand. - Suportas com paciência a tua miséria, mas tens medo da minha. Pois bem, Mercédès, amado por ti tentarei a fortuna; dar-me-ás sorte e enriquecerei. Posso tirar melhor partido da minha profissão de pescador; posso empregar-me numa casa comercial; posso eu próprio tornar-me comerciante!
- Não podes tentar nenhuma dessas coisas, Fernand. És soldado e se ainda estás nos Catalães é porque não há guerra. Continua a ser pescador; não te entregues a sonhos que te fariam parecer a realidade ainda mais terrível, e contenta-te com a minha amizade, pois não te posso dar outra coisa.
- Tens razão, Mercédès, serei marinheiro. Terei, em vez do traje dos nossos pais, que desprezas, um chapéu de oleado, uma blusa às riscas e uma jaqueta azul com âncoras nos botões. Não é assim que me devo vestir para te agradar?
- Que queres dizer? - perguntou Mercédès, deitando-lhe um olhar imperioso. - Que queres dizer? Não te compreendo.
- Quero dizer, Mercédès, que só és tão dura e cruel para mim porque esperas alguém que se veste assim. Mas esse que esperas talvez seja inconstante, e se o não é, mar sê-lo-á por ele.
- Fernand, julgava-te bom, mas enganava-me! - gritou Mercédès. - Fernand, só um mau coração chamaria em auxílio do seu ciúme as cóleras de Deus! Sim, não o escondo mais, espero e amo aquele que dizes, e se ele não voltar, em vez de o acusar da inconstância a que te referes, direi que morreu amando-me.
O jovem catalão fez um gesto de raiva.
- Compreendo-te, Fernand odeia-lo porque não te amo e estás disposto a cruzar a tua navalha catalã com o seu punhal! Mas aonde te levará isso? A perderes a minha amizade se saíres vencido e a veres a minha amizade transformar-se em ódio se saíres vencedor. Acredita no que te digo: procurar brigar com um homem é uma péssima maneira de agradar à mulher que ama esse homem. Não, Fernand, não cedas assim aos teus maus pensamentos. Se não me podes ter como mulher, contenta-te com ter-me por amiga e irmã. E depois - acrescentou com os olhos nublados e cheios de lágrimas -, espera, espera, Fernand. Como disseste há pouco, o mar é pérfido, e já lá vão quatro meses que ele partiu; e nesses quatro meses contei muitas tempestades!
Fernand permaneceu impassível. Não procurou enxugar as lágrimas que rolavam pelas faces de Mercédès. E no entanto daria um copo do seu sangue por cada uma dessas lágrimas. Mas essas lágrimas corriam por outro.
Levantou-se, deu uma volta na cabana e tornou a parar diante de Mercédès, de olhos sombrios e punhos fechados.