O Conde de Monte Cristo - Cap. 19: O terceiro ataque Pág. 160 / 1080

Soaram passos apressados, ouviu-se ranger a porta, algumas idas e vindas interiores e pouco depois um dos carcereiros voltou e disse:

- Aqui está o braseiro com um ferro.

Reinou então um momento de silêncio e em seguida ouviu-se o rechinar das carnes que queimavam e cujo cheiro pesado e nauseabundo transpôs até a parede atrás da qual Dantès escutava horrorizado.

Quando o cheiro a carne humana carbonizada lhe feriu as narinas, o suor brotou da testa do rapaz e este julgou ir desmaiar.

- Como vê, senhor, está bem morto - declarou o médico. - Esta queimadura no calcanhar é decisiva. O pobre louco está curado da sua loucura e liberto do seu cativeiro.

- Não se chamava Faria? - perguntou um dos oficiais que acompanhavam o governador.

- Chamava e, segundo pretendia, tratava-se de um velho nome. Aliás, era muito culto e bastante cordato, até, em tudo o que não dissesse respeito ao seu tesouro. Mas quando se tratava deste, forçoso é reconhecê-lo, era intratável.

- É aquilo a que chamamos monotonia - informou o médico.

- Alguma vez tiveram razão de queixa dele? - perguntou o governador ao carcereiro encarregado de trazer a comida ao abade.

- Nunca, Sr. Governador - respondeu o carcereiro. - Nunca por nunca ser! Pelo contrário: dantes até me divertia muito com as suas histórias, e um dia em que tinha a minha mulher doente deu-me uma receita que a curou.

- Ah, ah!... - exclamou o médico. - Ignorava que tivesse nele um colega. Espero, Sr. Governador - acrescentou rindo -, que o trate em conformidade.

- Claro, claro, esteja descansado que será delicadamente amortalhado no saco mais novo que conseguirmos arranjar. Está satisfeito?

- Devemos cumprir essa última formalidade na sua presença, senhor? - perguntou um carcereiro.

- Sem dúvida, mas despachem-se; não posso ficar nesta cela durante todo o dia.

Ouviram-se novas idas e vindas.

Um instante depois chegou aos ouvidos de Dantès um ruído de pano amarrotado, a cama rangeu nas molas, passos pesados como os de um homem que levanta um fardo soaram no lajedo e em seguida a cama rangeu de novo sob o peso que nele depositavam.

- Esta noite - disse o governador.

- Haverá missa? - perguntou um dos oficiais.

- Impossível - respondeu o governador. - O capelão do castelo pediu-me ontem licença para fazer uma viagenzinha de oito dias a Hyères e até ele voltar não há serviço religioso para nenhum dos meus prisioneiros. O pobre abade, se não fosse tão apressado, teria o seu réquie.

- Ora, ora! - exclamou o médico com a impiedade habitual na gente da sua profissão. - Ele era padre: Deus terá em consideração o seu estado e não dará ao Diabo o prazer de lhe enviar um sacerdote.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069