Ficou um momento imóvel, pensativo, de olhos cravados na negra abertura, e continuou:
«Ora, agora que já não conto seja com o que for, agora que já disse para comigo que seria insensato conservar qualquer esperança, o resto desta aventura é para mim um caso de curiosidade e mais nada.»
Permaneceu imóvel e meditativo durante mais algum tempo e prosseguiu:
«Sim, sim, isto é uma aventura que cabe perfeitamente na vida, misto de luz e sombra, desse real bandido; nessa teia de acontecimentos estranhos que constituíam a trama matizada da sua existência. Esse fabuloso acontecimento encadeou-se sem dúvida nenhuma com outras coisas. Sim, Bórgia veio uma noite qualquer aqui, de archote numa das mãos e espada na outra, enquanto a vinte passos dele, talvez ao pé desta rocha, se conservavam, sombrios e ameaçadores, dois esbirros interrogando a terra, o ar e o mar. Entretanto, o seu senhor entrava na gruta, tal como eu vou fazer, e quebrava as trevas com o seu braço temível e chamejante.
«Sim, mas que terá feito César dos esbirros a quem confiou assim o seu segredo?», perguntou-se Dantès.
«O mesmo que fizeram dos amortalhadores de Alarico, que enterraram com o amortalhado», respondeu-se sorrindo.
«Todavia, se tivesse cá vindo», prosseguiu Dantès, «e tivesse encontrado e roubado o tesouro, Bórgia, homem que comparava a Itália a uma alcachofra e a comia folha a folha; Bórgia sabia tão bem quanto o tempo era precioso que não perderia o seu a recolocar o rochedo na sua base. »
«Desçamos.»
Desceu, com o sorriso da dúvida nos lábios e murmurando esta última palavra da sabedoria humana: «Talvez!...»
Mas em vez das trevas que esperava encontrar, em vez de uma atmosfera opaca e viciada, Dantès viu apenas uma luz suave e azulada. O ar e a luz infiltravam-se não só pela abertura que acabava de ser praticada, mas também pelas fendas dos rochedos, invisíveis do exterior, através das quais se via o azul do céu onde se agitavam os ramos trémulos das azinheiras e os ligamentos espinhosos e rastejantes das silvas.
Passados alguns segundos de permanência na gruta, cuja atmosfera mais tépida do que húmida, mais perfumada do que bafienta, estava para a temperatura da ilha como a luz azulada estava para o sol, o olhar de Dantès, habituado, como já dissemos, às trevas, pôde sondar os recantos mais ocultos da caverna. Esta era de granito e as suas facetas palhetadas cintilavam como diamantes.
«Meu Deus», disse Edmond para consigo, sorrindo, «estes são sem dúvida todos os tesouros que deixou o cardeal. E aquele bom abade, ao ver em sonhos estas paredes resplandecentes, forjou as suas ricas esperanças.»