O Conde de Monte Cristo - Cap. 26: A Estalagem da Ponte do Gard Pág. 207 / 1080

O homem que dirigia a estalagenzinha devia contar quarenta a quarenta e cinco anos, era alto, magro e nervoso, autêntico tipo meridional com os seus olhos encovados e brilhantes, o seu nariz aquilino e os seus dentes brancos como os de um animal carnívoro. Os seus cabelos que pareciam, apesar dos primeiros ataques da idade, não se decidirem a embranquecer, eram, assim como a barba que usava em forma de colar, espessos, frisados e entremeados de pouquíssimos cabelos brancos. A sua tez, naturalmente morena, estava ainda coberta por uma camada de bistre, devido ao hábito que o pobre diabo adquirira de se manter de manhã à noite à porta do estabelecimento, para ver se, quer a pé, quer de carruagem, chegava algum cliente - espera quase sempre frustrada e durante a qual se limitava a proteger a cara do calor escaldante do sol com um lenço de assoar vermelho, atado na cabeça, à maneira dos almocreves espanhóis. Este homem era o nosso velho conhecido Gaspard Caderousse.

A mulher, pelo contrário, que em solteira se chamava Madeleine Radelle, era uma mulher pálida, magra e achacada. Nascida nos arredores de Arles, embora conservasse os traços primitivos da beleza tradicional das suas patrícias, vira o rosto arruinar-se-lhe lentamente devido aos acessos quase contínuos de uma dessas febres inexoráveis tão comuns entre as populações vizinhas das lagoas de Aiguemortes e dos pântanos da Camarga. Conservava-se portanto quase sempre sentada e a tiritar ao fundo do quarto, situado no primeiro andar, quer estendida numa poltrona, quer encostada à cama, enquanto o marido montava à porta o seu quarto de sentinela habitual, que prolongava com tanto mais prazer quanto é certo que todas as vezes que se encontrava com a sua azeda metade esta perseguia-o com as suas eternas queixas contra o destino, queixas a que o marido respondia habitualmente apenas com estas palavras filosóficas:

«Cala-te, Carconte! É Deus que assim o quer.»

Esta alcunha devia-se ao facto de Madeleine Radeile ter nascido na aldeia da Carconte, situada entre Salon e Lambesc.

Ora, de acordo com um hábito da região, segundo o qual se designam quase sempre as pessoas por uma alcunha em vez de as designar por um nome, o marido substituíra por aquele apelativo o de Madeleine, demasiado suave e eufónico, talvez para a sua linguagem rude.

Todavia, apesar da sua pretensa resignação aos decretos da Providência, não se julgue que o nosso estalajadeiro não sentia profundamente o estado de miséria a que o reduzira o miserável canal de Beaucaire e que era insensível aos incessantes queixumes com que a mulher o perseguia. Era, como todos os meridionais, um homem sóbrio e sem grandes necessidades, mas exibicionista.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069