Por isso, no tempo da sua prosperidade não deixava passar nem uma ferra de gado, nem uma procissão da tarasca sem nelas se mostrar com a Carconte, um no trajo pitoresco dos homens do Meio-Dia, misto de catalão e andaluz, e a outra com o encantador trajo das mulheres de Arles, que parece inspirado na Grécia e na Arábia. Mas pouco apouco, correntes de relógio, colares, cintas de mil cores, corpetes bordados, jaquetas de veludo, meias elegantes, polainas sarapintadas e sapatos com fivelas de prata tinham desaparecido e Gaspard Caderousse, não podendo continuar a mostrar-se à altura do seu esplendor passado, renunciara por si e pela mulher a todas as pompas mundanas cujo estrépido alegre ouvia, roído de inveja, ecoar até à pobre estalagem que continuava a conservar mais como um abrigo do que como um negócio.
Caderousse mantivera-se, como era seu hábito, parte da manhã diante da porta, passeando o olhar melancólico de um relvadozinho pelado, onde debicavam algumas galinhas, até às duas extremidades do caminho deserto, que se dirigia de um lado para o sul e do outro para o norte. De súbito, porém, a voz azeda da mulher obrigou-o a abandonar o seu posto. Entrou em casa resmungando e subiu ao primeiro andar, mas deixou a porta escancarada como se quisesse convidar os viajantes a não a esquecerem quando passassem.
No momento em que Caderousse entrou em casa, a estrada de que falámos e que ele percorria com a vista encontrava-se tão vazia e solitária como o deserto ao meio-dia. Estendia-se, branca e infinita, entre duas alas de árvores enfezadas, e compreendia-se perfeitamente que um viajante, livre de escolher outra hora do dia, se não aventurasse naquele medonho Sara.
No entanto, apesar de todas as probabilidades, se Caderousse tivesse ficado no seu posto poderia ter visto aparecer, do lado de Bellegarde, um cavaleiro e um cavalo no passo respeitável e amistoso que indica as melhores relações entre o cavalo e o cavaleiro. O animal era um cavalo castrado e avançava a passo travado; o cavaleiro era um padre vestido de preto e coberto com um tricórnio, apesar do calor escaldante do Sol, então no seu zénite. O andamento de ambos não ia além de um trote muito razoável.
Chegado diante da porta o grupo parou. Seria difícil decidir se foi o cavalo que deteve o homem ou o homem que deteve o cavalo; mas em todo o caso o cavaleiro pôs pé em terra e, puxando o animal pela brida, foi prendê-lo ao torniquete de um guarda-vento escalavrado que já só tinha um gonzo. Em seguida dirigiu-se para a porta, enxugando com um lenço de algodão encarnado a testa coberta de suor, e bateu três vezes no limiar com a ponta ferrada da bengala que segurava na mão.