O Conde de Monte Cristo - Cap. 27: O relato Pág. 219 / 1080

Apenas de tempos a tempos via subir a casa dele pessoas desconhecidas, que desciam com qualquer embrulho mal escondido. Compreendi depois que continham esses embrulhos: o velho vendia pouco a pouco o que possuía para viver. Finalmente, o pobre homem chegou ao fim dos seus míseros haveres. Devia três meses de renda e ameaçaram pô-lo na rua. Pediu mais oito dias e concederam-lhos. Soube deste pormenor porque o senhorio foi a minha casa depois de sair da dele.

«Durante os três primeiros dias, ouvi-o caminhar como de costume, mas no quarto dia não ouvi mais nada. Arrisquei-me a subir. A porta estava fechada, mas através da fechadura vi-o tão pálido e abatido que, julgando-o muito doente, mandei avisar o Sr. Morrel e corri a casa de Mercédès. Ambos vieram logo. O Sr. Morrel trazia um médico. Este diagnosticou uma gastrenterite e prescreveu dieta. Estava lá, senhor, e nunca mais esquecerei o sorriso do velho ao ouvir a receita.

«A partir desse dia passou a abrir a porta. Tinha uma desculpa para não comer: o médico prescrevera dieta.

O abade soltou uma espécie de gemido.

- Esta história interessa-lhe, não é verdade, senhor? - perguntou Caderousse.

- Interessa, de facto - respondeu o abade. - É comovente.

- Mercédès voltou. Encontrou-o tão mudado que como da primeira vez quis mandá-lo transportar para casa dela. Essa era também a opinião do Sr. Morrel, que estava disposto a levá-lo à força. Mas o velho gritou tanto que tiveram medo. Mercédès ficou à sua cabeceira. O Sr. Morrel saiu depois de fazer sinal à catalã de que deixava uma bolsa em cima da chaminé. Mas fazendo finca pé na receita do médico, o velho recusou-se a comer. Por fim, após nove dias de desespero e abstinência, o velho amaldiçoando aqueles que tinham causado a sua desgraça e dizendo a Mercédès: «Se tornares a ver o meu Edmond, diz-lhe que morro abençoando-o.» O abade levantou-se, deu duas voltas na sala e levou a mão trémula à garganta seca.

- E o senhor julga que morreu...

- De fome, senhor, de fome - respondeu Caderousse. - Não lhe oculto verdade porque estamos aqui dois cristãos.

O abade pegou com mão convulsa no copo de água ainda meio cheio, despejou-o de um trago, e conteve-se, com os olhos avermelhados e as faces pálidas.

- Reconheça que foi uma grande infelicidade! - disse com voz rouca.

- Tanto maior, senhor, quanto é certo não ter Deus sido para aí metido nem achado. Os culpados foram apenas os homens.

- Passemos portanto a esses homens - disse o abade. - Mas lembre-se - continuou com ar quase ameaçador - de que se comprometeu a dizer-me tudo. Vejamos, quem são esses homens que fizeram morrer o filho de desespero e o pai de fome?





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069