- Era um meio arriscado e que indicava certa coragem observou o inglês.
- Oh, como já lhe disse, senhor, era um homem forte e perigoso! Felizmente, ele próprio desembaraçou o Governo dos receios que nutria a seu respeito.
- Como assim?
- Como? Não compreende?
- Não.
- O Castelo de If não tem cemitério. Os mortos são pura e simplesmente lançados ao mar depois de se lhos prender aos pés um pelouro de trinta e seis.
- E depois? - perguntou o inglês, como se fosse de raciocínio lento.
- E depois?... Prenderam-lhe um pelouro de trinta e seis aos pés e atiraram-no ao mar!
- Deveras?! - exclamou o inglês.
- É verdade, senhor - continuou o inspector. – Decerto compreende qual foi a surpresa do fugitivo quando se sentiu precipitado do cimo dos rochedos. Gostaria de ver a sua cara nesse momento.
- Seria difícil...
- Mas não tem importância! - exclamou o Sr. de Boville, a quem a certeza de recuperar os seus duzentos mil francos punha de bom humor. - Não tem importância! Imagino-a...
E desatou a rir.
- E eu também - disse o inglês.
E desatou igualmente a rir, mas como riem os Ingleses, isto é, entredentes.
- Assim - continuou o inglês, o primeiro a deixar de rir -, assim, o fugitivo morreu afogado?
- Evidentemente.
- De modo que o governador do castelo se livrou ao mesmo tempo do furioso e do louco?
- Exacto.
- No entanto, deve ter sido lavrada uma espécie de acta do sucedido, não? - perguntou o inglês.
- Claro, claro, passou-se uma certidão de óbito. Compreende, os parentes de Dantès, se os tinha, podiam ter interesse em se assegurar se estava morto ou vivo.
- De forma que podem estar agora tranquilos, se houver herança. Está morto e bem morto.
- Oh, meu Deus, se está! Atestar-se-lho-á quando quiserem.
- Perfeitamente - disse o inglês. - Mas voltaremos aos registos.
- É verdade. Esta história desviou-nos disso. Perdão.
- Perdão de quê? Da história? De modo nenhum, até a achei curiosa.
- E é-o, de facto. Portanto, deseja ver, senhor tudo o que se relaciona com o seu pobre abade, que era a bondade personificada, não é verdade?
- Dar-me-ia prazer.
- Entre no meu gabinete que eu mostro-lhe o que pretende.
Ambos entraram no gabinete do Sr. de Boville, onde efectivamente tudo se encontrava em perfeita ordem: cada registo tinha o seu número e cada processo o seu cacifo. O inspector convidou o inglês a sentar-se na sua poltrona, colocou diante dele o registo e o processo relativos ao Castelo de If e deu-lhe todo o tempo que quisesse para os consultar, enquanto ele próprio, sentado num canto, lia o seu jornal.