Mas contra todas as previsões quando chegou o dia 31 de Agosto a tesouraria abriu como de costume, Coclès apareceu atrás da rede de arame, calmo como o justo Horácio, examinou com a mesma atenção o papel que lhe apresentavam e depois, da primeira à última, pagou as letras com a habitual pontualidade. Apareceram até dois reembolsos, como o Sr. Morrel previra, que Coclès pagou com a prontidão com que pagara as letras aceites pelo armador. As pessoas já não compreendiam nada e adiavam, com a tenacidade característica dos profetas da desgraça, a falência para fins de Setembro.
Morrel chegou no dia 1. Toda a família o esperava com grande ansiedade. Daquela viagem a Paris deveria surgir a sua derradeira oportunidade de salvação. Morrel pensara em Danglars. Actualmente milionário e noutros tempos seu protegido, pois fora graças à recomendação de Morrel que Danglars entrara ao serviço do banqueiro espanhol, em casa do qual iniciara a sua imensa fortuna. Actualmente, dizia-se, Danglars possuía seis ou oito milhões e crédito ilimitado. Podia portanto, sem tirar um escudo da algibeira, salvar Morrel: bastar-lhe-ia garantir um empréstimo e Morrel estaria salvo. Havia muito tempo que Morrel se lembrara de Danglars, mas existem repulsas instintivas de que não somos senhores e Morrel adiara tanto quanto lhe fora possível recorrer a esse meio supremo. E tivera razão, pois regressara abatido pela humilhação de uma recusa.
Mesmo assim, à chegada, Morrel não deixara escapar nenhum queixume nem proferira nenhuma recriminação. Beijara chorando a mulher e a filha, estendera a mão amiga a Emmanuel, fechara-se no seu gabinete do segundo andar e mandara chamar Coclès.
- Desta vez, estamos perdidos - disseram as duas mulheres a Emmanuel.
Depois, num curto conciliábulo entre elas, decidiram que Julie escreveria ao irmão, de guarnição em Nîmes, para que viesse imediatamente.
As pobres mulheres sentiam instintivamente que necessitavam de todas as suas forças para aparar o golpe que as ameaçava.
Aliás, Maximilien Morrel, apesar de contar apenas vinte e dois anos, tinha já grande influência sobre o pai
Era um jovem firme e recto. Quando se tratara de abraçar uma carreira, o pai não quisera impor-lhe antecipadamente um futuro e consultara os gostos do jovem Maximilien. Este declarara então que queria seguir a carreira militar, fizera brilhantemente os estudos adequados e entrara por concurso para a Escola Politécnica e saíra de lá alferes do 53.o de linha. Havia um ano que tinha esse posto, mas tinha a promessa de ser promovido a tenente na primeira oportunidade.