- E porque, caro amigo, não imagina o que me ameaça. Tenho de ouvir esta manhã um discurso do Sr. Danglars na Câmara dos Deputados e à noite a mulher dele falar da tragédia de um par de França. Diabo leve o governo constitucional! Se tínhamos, como se diz, o direito de escolha, por que carga de água escolhemos este governo?
- Compreendo, você precisa de se abastecer de hilaridade.
- Não diga mal dos discursos do Sr. Danglars - interveio Debray. - Ele vota em vocês, faz oposição
- Infelizmente, muito mal! Por isso, espero que o mandem discursar para o Luxemburgo, para que toda a gente ria à vontade.
- Meu caro - disse Albert a Beauchamp -, bem se vê que os negócios de Espanha estão resolvidos; você está esta manhã de um azedume revoltante. Lembre-se, porém, de que a crónica parisiense fala de um casamento entre mim e Mademoiselle Eugénie Danglars. Em consciência, não posso pois deixá-lo falar mal da eloquência de um homem que me deve dizer um dia: «Sr. Visconde como sabe, dou dois milhões à minha filha.»
- Esteja calado! - replicou Beauchamp. - Esse casamento nunca se realizará. O rei pôde fazê-lo barão e poderá fazê-lo par, mas não o fará gentil-homem e o conde de Morcerf é uma espada demasiado aristocrática para consentir, em troca de dois pobres milhões, num casamento desigual. O visconde de Morcerf só deve casar com uma marquesa.
- Dois milhões! Não deixa de ser uma bonita maquia... - observou Morcerf.
- É o capital social de um teatro de bulevar ou de um caminho de ferro do Jardim Botânico à Rapée.
- Deixe-o falar, Morcerf, e case-se - aconselhou negligentemente Debray. - Casa com a etiqueta de um saco, não é verdade? Pois que lhe importa! É preferível que a etiqueta tenha um brasão a menos e um zero a mais. Você tem sete melras nas suas armas; dá três à sua mulher e ainda fica com quatro.
- Palavra que me parece que você tem razão, Lucien – respondeu distraidamente Albert.
- Tenho com certeza! De resto, todo o milionário é nobre como um bastardo, isto é, pode sê-lo...
- Caluda! Não diga isso, Debray - interveio, rindo, Beauchamp -, pois acaba de chegar Château-Renaud, que, para o curar da sua mania de paradoxar, lhe traspassará o corpo com a espada de Reinaldo de Montauban, seu antepassado.
- Isso seria rebaixar-se - redarguiu Lucien -, pois eu sou plebeu e bem plebeu.
- Bom, se o ministério se põe a querer cantar como Béranger, aonde iremos parar, meu Deus? - observou Beauchamp.
- O Sr. de Château-Renaud! O Sr. Maximilien Morrel! - disse o criado anunciando dois novos convivas.