- Sim - prosseguiu Monte-Cristo -, é o que indicam as melras. Quase todos os peregrinos armados que tentaram ou fizeram a conquista da Terra Santa tomaram como armas ou cruzes, sinal da missão a que se tinham votado, ou pássaros migradores, símbolo da longa viagem que iam empreender e que esperavam concluir nas asas da fé. Um dos seus antepassados paternos terá sido de alguma das vossas cruzadas, e mesmo supondo que fosse apenas a de S. Luís, isso já nos faz remontar ao século XIII, o que é ainda muito bonito.
- É possível - concordou Morcerf. - No gabinete de meu pai existe em qualquer parte uma árvore genealógica que nos dirá isso e na qual cheguei a anotar comentários que seriam muito elucidativos para Hozier e Jaucourt. Agora já me não preocupo com isso. No entanto, sempre lhe digo, Sr. Conde, e isto entra nas minhas atribuições de cicerone, que as pessoas começam a ocupar-se muito dessas coisas sob o nosso Governo Popular.
- Bom, nesse caso o vosso Governo deveria ter escolhido no seu passado coisa melhor do que os dois cartazes que notei nos vossos monumentos e que não têm nenhum sentido heráldico. Quanto a si, visconde - prosseguiu Monte-Cristo, voltando a Morcerf -, é mais feliz do que o seu Governo, pois as suas armas são realmente belas e falam à imaginação. Sim, é isso mesmo: o senhor é ao mesmo tempo da Provença e de Espanha. E o que explica, se o retrato que me mostrou está parecido, a bela cor morena que tanto admirei no rosto da nobre catalã.
Seria preciso ser Édipo ou a própria esfinge para adivinhar a ironia que o conde pôs nas suas palavras, aparentemente cheias da maior delicadeza. Por isso, Morcerf agradeceu-lhe com um sorriso e, passando à frente para lhe indicar o caminho, empurrou a porta que se abria por baixo das suas armas e que, como dissemos, dava para a sala de visitas.
No sítio mais em evidência da sala via-se também um retrato: o de um homem de trinta e cinco a trinta e oito anos, em uniforme de oficial general, com dragonas em canutilho, sinal dos graus superiores, a fita da Legião de Honra ao pescoço, o que indicava que era comendador, e no peito, à direita, a placa de grande-oficial da Ordem do Salvador e, à esquerda, a da grã-cruz de Carlos III, o que indicava que a pessoa retratada participara nas guerras da Grécia e de Espanha ou, o que significava absolutamente o mesmo em matéria de condecorações, desempenhara qualquer missão diplomática nos dois países.