- Um velho fidalgo - continuou o porteiro -, um fiel servidor dos Bourbons. Tinha uma filha única, que casou com o Sr. De Villefort, que foi procurador régio em Nímes e depois em Versalhes.
Monte-Cristo deitou um olhar a Bertuccio, que encontrou mais lívido do que a parede a que se encostara para não cair.
- Mas essa filha não morreu? - perguntou Monte-Cristo. - Parece-me que ouvi dizer isso.
- Sim, senhor, há vinte e um anos, e desde então não vimos mais de três vezes o pobre marquês.
- Obrigado, obrigado - agradeceu Monte-Cristo, considerando, em vista da prostração do intendente, que não devia esticar mais a corda, pois corria o risco de a quebrar.
- Obrigado! Arranje-me luz, bom homem.
- Devo acompanhar o senhor?
- Não, é inútil. Bertuccio alumia-me.
E Monte-Cristo acompanhou estas palavras da oferta de duas moedas de ouro, que provocaram uma explosão de bênçãos e suspiros.
- Ah, senhor, não tenho velas aqui! - exclamou o porteiro depois de procurar inutilmente no rebordo da chaminé e nas prateleiras contíguas.
- Traga uma das lanternas da carruagem, Bertuccio, e mostre-me as casas - ordenou o conde.
O intendente obedeceu sem comentários, mas era fácil de ver, pela tremura da mão que segurava a lanterna, o que lhe custava obedecer.
Percorreram o rés-do-chão, bastante vasto; o primeiro andar, composto de uma sala, uma casa de banho e dois quartos. Um dos quartos comunicava com uma escada de caracol, que terminava no jardim.
- Olha, uma escada de comunicação - observou o conde. - Não deixa de ser cómodo... Alumie-me, Sr. Bertuccio. Passe adiante e vejamos aonde nos leva esta escada.
- Vai dar ao jardim, senhor - informou Bertuccio.
- Como sabe isso, é capaz de me dizer?
- Isto é, deve ir dar...
- Bom, verifiquemos.
Bertuccio soltou um suspiro e foi à frente. A escada terminava efectivamente no jardim.
O intendente parou junto da porta exterior.
- Vamos, Sr. Bertuccio! - chamou-o o conde.
Mas o homem estava acabrunhado, aparvalhado, aniquilado.
Os seus olhos alucinados procuravam à sua volta como que os vestígios de um passado terrível, e com as mãos crispadas parecia repelir recordações horríveis.
- Então? - insistiu o conde.
- Não! Não! - gritou Bertuccio, pousando a mão na esquina do muro interior. - Não, senhor, não irei mais longe, é impossível!
- Que está a dizer? - inquiriu a voz irresistível de Monte-Cristo.