Por fim lá o conseguimos e subimos até Arles. Deixei a barca entre Bellegarde e Beaucaire e tomei o caminho de Nímes.
- Chegámos, não é verdade?
- Sim, senhor. Desculpe, mas como V. Ex.a verá, só lhe digo as coisas absolutamente necessárias. Ora, estava-se na altura dos famosos massacres do Meio-Dia. Andavam por lá dois ou três bandidos chamados Trestaillon, Truphemy e Graffan, que degolavam nas ruas todos aqueles que suspeitavam ser bonapartistas. O Sr. Conde ouviu decerto falar desses assassínios?
- Vagamente. Estava muito longe da França nessa época. Continue.
- Quem entrava em Nímes caminhava literalmente sobre sangue. A cada passo se encontravam cadáveres. Os assassinos, organizados em quadrilhas, matavam, saqueavam e queimavam.
«Arrepiei-me ao ver aquela carnificina. Não por mim. Eu, simples pescador corso, não tinha grande coisa a temer. Pelo contrário, aqueles tempos eram bons para nós, contrabandistas. Mas temi pelo meu irmão, soldado do Império, de regresso do Exército do Loire, com o seu uniforme e as suas dragonas, e que, por consequência, tinha tudo a recear.
«Corri a casa do nosso estalajadeiro. Os meus pressentimentos não me tinham enganado: o meu irmão chegara na véspera a Nímes e fora assassinado mesmo à porta daquele a quem ia pedir hospitalidade.
«Fiz tudo o que era possível para descobrir os assassinos, mas ninguém se atreveu a dizer-me os seus nomes, de tal forma eram temidos. Lembrei-me então dessa justiça francesa de que tanto me tinham falado, que não teme nada, e fui ter com o procurador régio.
- E esse procurador régio chamava-se Villefort? - perguntou negligentemente Monte-Cristo.
- Chamava, Excelência. Viera de Marselha, onde fora substituto. O seu zelo valera-lhe a promoção. Dizia-se que fora dos primeiros a anunciar ao Governo o desembarque da ilha de Elba.
- Portanto - prosseguiu Monte-Cristo -, apresentou-se no seu gabinete.
«- Senhor - disse-lhe eu -, o meu irmão foi assassinado ontem nas ruas de Nímes, não sei por quem, mas é sua missão sabê-lo. O senhor é aqui chefe da justiça e compete à justiça vingar aqueles que não soube defender.
«- E quem era o seu irmão? - perguntou o procurador régio.
«- O meu irmão era tenente do batalhão corso.
«- Um soldado do usurpador, portanto?
«- Um soldado dos exércitos franceses.
«- Bom - replicou ele -, empunhou a espada, morreu pela espada.
«- Engana-se, senhor, morreu pelo punhal.
«- Que quer que faça? - respondeu o magistrado.