O Conde de Monte Cristo - Cap. 44: A vendetta Pág. 431 / 1080

«Num cueiro de fina cambraia de linho estava envolta uma criança recém-nascida. O rosto purpúreo e as mãos roxas indicavam que devia ter sucumbido a asfixia causada por ligamentos naturais enrolados à volta do pescoço. No entanto, como ainda não estava fria, hesitei em atirá-la à água que me corria aos pés. Com efeito, passado um instante, julguei notar uma leve pulsação na região do coração. Libertei-lhe o pescoço do cordão que o envolvia e, como fora enfermeiro no hospital de Bástia, fiz o que faria um médico em semelhantes circunstâncias, isto é: insuflei-lhe corajosamente ar nos pulmões, e passado um quarto de hora de esforços inauditos vi a criança respirar e ouvi um grito sair-lhe do peito.

«Soltei por minha vez um grito, mas um grito de alegria. "Deus não me amaldiçoou", disse para comigo, "pois permite-me que restitua a vida a uma criatura humana em troca da vida que tirei a outra!"

- E que fez dessa criança? - perguntou Monte-Cristo. – Era uma bagagem bastante embaraçosa para um homem que necessitava de fugir.

- Por isso não me passou sequer pela cabeça ficar com ela. Mas sabia que existia em Paris um hospício onde recebiam essas pobres crianças. Quando transpus a barreira, declarei ter achado a criança na estrada e informei-me. O cofre estava ali e era uma prova; o cueiro de cambraia indicava que a criança tinha pais ricos; o sangue que me cobria tanto podia pertencerà criança como a qualquer outro indivíduo. Não me fizeram nenhuma objecção. Indicaram-me o hospício, que ficava mesmo ao fundo da Rua do Inferno, e, depois de tomar a precaução de cortar o cueiro em dois, de maneira que uma das duas letras que o marcavam ficasse na parte que envolvia o corpo da criança, depositei o, meu fardo na roda, toquei e raspei-me a toda a velocidade. Quinze dias mais tarde estava de volta a Rogliano e dizia a Assunta: «Consola-te, minha irmã; Israel morreu, mas vinguei-o.« «Então ela pediu-me explicações destas palavras e eu contei-lhe tudo o que se passara.

«- Giovanni - disse-me Assunta -, devias ter trazido essa criança. Faríamos as vezes dos pais que perdeu, chamar-lhe-iamos Benedetto, e graças a essa boa acção Deus abençoar-nos-ia efectivamente.

«Como única resposta entreguei-lhe a metade do cueiro que guardara, a fim de poder reclamar a criança se fôssemos mais ricos.

- E com que letras estava marcado o cueiro? - perguntou Monte-Cristo.

- Com um H e um N encimados por uma fiada de pérolas de barão.

- Creio, Deus me perdoe, que se serve de termos de heráldica, Sr. Bertuccio! Onde diabo estudou essa matéria?

- Ao seu serviço, Sr. Conde, onde se aprendem todas as coisas.

- Continue. Estou com curiosidade de saber dois pormenores.

- Quais, senhor?





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069