«- E os quarenta e cinco mil francos onde estão? - perguntou Caderousse com voz rouca.
«- Ei-los - respondeu o joalheiro.
«E contou em cima da mesa quinze mil francos em ouro e trinta mil em notas.
«- Esperem que acenda o candeeiro - disse a Carconte. – Já não está muito claro e podem-se enganar...
«Com efeito, anoitecera durante a discussão, e com a noite viera a tempestade, que ameaçava rebentar havia meia hora. Ouvia-se ribombar surdamente o trovão ao longe, mas nem o joalheiro, nem Caderousse, nem a Carconte pareciam dar por isso, dominados como estavam todos os três pelo demónio do ganho. Eu próprio experimentava uma estranha fascinação perante todo aquele ouro e todas aquelas notas. Parecia-me sonhar, e como acontece nos sonhos, sentia-me acorrentado ao meu lugar.
«Caderousse contou e recontou o ouro e as notas e depois passou-os à mulher, que contou e recontou por seu turno.
«Entretanto, o joalheiro fazia cintilar o diamante à luz do candeeiro e o diamante lançava relâmpagos que faziam esquecer aqueles que, precursores da tempestade, começavam a incendiar as janelas.
«- Então, está certo? - perguntou o joalheiro.
«- Está - respondeu Caderousse. - Dá-me a carteira e arranja um saco, Carconte.
«A Carconte foi um armário e regressou com uma velha carteira de couro, da qual tirou algumas cartas ensebadas e no lugar das quais guardou as notas, e com um saco que continha duas ou três moedas de seis libras, que constituíam provavelmente toda a riqueza do miserável casal.
«- Embora nos tenha roubado talvez uma dezena de milhar de francos, quer jantar connosco? É de boa vontade – ofereceu Caderousse.
«- Obrigado - respondeu o joalheiro. - Começa a ser tarde e tenho de regressar a Beaucaire. A minha mulher já deve estar preocupada... Com mil demónios! - exclamou depois de tirar o relógio da algibeira. - São quase nove horas, não estarei em Beaucaire antes da meia-noite! Adeus, meus filhos. Se por acaso tornarem a ser visitados pelo abade Busoni, lembrem-se de mim...
«- Daqui a oito dias já o senhor não estará em Beaucaire, pois a feira termina na próxima semana - observou Caderousse.
«- Pois não, mas não tem importância. Escrevam-me para Paris, com este endereço Sr. Joannès, Palais- Royal, Galeria de Pierre, n.º 45. Virei cá de propósito se o negócio valer a pena.
«Soou um trovão, acompanhado de um relâmpago tão intenso que quase se sobrepôs à luz do candeeiro.
«- Oh, oh! - exclamou Caderousse. - Vai pôr-se a caminho com este tempo?
«- As trovoadas não me metem medo - redarguiu o joalheiro.