«- E os ladrões? - perguntou a Carconte. - A estrada nunca é muito segura durante a feira.
«- Oh, quanto aos ladrões, tenho isto para eles! - respondeu Joannès, e tirou da algibeira um par de pistolinhas carregadas até à boca. - Estes cães ladram e mordem ao mesmo tempo. Seriam para os dois primeiros que cobiçassem o seu diamante, Tio Caderousse.
«Caderousse e a mulher trocaram um olhar sombrio. Dir-se-ia que lhes acudira ao mesmo tempo qualquer pensamento terrível.
«- Então, boa viagem! - disse Caderousse.
«- Obrigado! - agradeceu o joalheiro.
«Pegou na bengala, que deixara encostada a um velho baú, e saiu. No momento em que abriu a porta entrou tal rajada de vento que quase apagou o candeeiro.
«- Oh, vem aí um rico tempo, e duas léguas debaixo de temporal!...
«- Fique - insistiu Caderousse. - Pode muito bem dormir cá.
«- Sim, fique - insistiu também a Carconte, com voz trémula. - Tratá-lo-emos como deve ser.
«- Não, tenho de ir dormir a Beaucaire. Adeus.
«Caderousse foi lentamente até à porta.
«- Não se vê céu nem terra - disse o joalheiro, já fora da casa. - Viro à direita ou à esquerda?
«- À direita - respondeu Caderousse. - Não tem nada que se enganar: a estrada tem árvores de um lado e doutro.
«- Bom, cá vou - disse o joalheiro, cuja voz já mal se ouvia ao longe.
«- Fecha a porta - recomendou a Carconte. - Não gosto de portas abertas quando troveja.
«- E quando há dinheiro em casa, não é verdade? - acrescentou Caderousse, dando duas voltas à chave.
«Em seguida dirigiu-se para o armário, do qual tirou o saco e a carteira, e puseram-se ambos a contar pela terceira vez o seu ouro e as suas notas. Nunca vira expressão igual à daquelas duas caras, cuja cupidez transparecia à luz fraca do candeeiro. A mulher, sobretudo, estava hedionda. O tremor febril que habitualmente a agitava redobrara. O seu rosto, de pálido, tornara-se lívido. Os seus olhos encovados chamejavam.
«- Porque o convidaste a dormir cá? - perguntou com voz abafada.
«- Para... para não ter de regressar a Beaucaire com este, tempo - respondeu Caderousse, estremecendo.
«- Ah!... - exclamou a mulher, com uma expressão impossível de descrever. - Julguei que fosse por outra coisa...
«- Mulher! Mulher! - gritou Caderousse. - Porque tens semelhantes ideias e porque, tendo-as, não as guardas para ti?
«- Tanto faz - disse a Carconte passado um instante de silêncio -, tu não és um homem...
«- Que dizes? - perguntou Caderousse.
«- Se fosses um homem, ele não sairia daqui
«- Mulher!