Esta alocução feita diante de Ali, que permanecia impassível atendendo a que não percebia uma palavra de francês, produziu no Sr. Baptistin um efeito que compreenderão todos aqueles que estudaram a psicologia do criado francês.
- Procurarei conformar-me em todos os pontos com os desejos de V. Ex.a - disse. - Aliás, guiar-me-ei pelo Sr. Ali
- Oh, de modo nenhum! - redarguiu o conde, com uma frieza de mármore. - Ali tem muitos defeitos de mistura com as suas qualidades. Não siga portanto o seu exemplo, porque Ali é uma excepção. Não tem salário, não é um criado, é o meu escravo, o meu cão. Se faltasse ao seu dever, não o despediria, matava-o.
Baptistin arregalou os olhos.
- Duvida? - perguntou Monte-Cristo.
E repetiu a Ali as mesmas palavras que acabava de dizer em francês a Baptistin. Ali ouviu, sorriu, aproximou-se do amo, pôs um joelho no chão e beijou-lhe respeitosamente a mão. Este corolariozinho da lição levou ao cúmulo a estupefacção do Sr. Baptistin. O conde fez sinal a Baptistin para sair e a Ali para o seguir. Ambos passaram ao gabinete do conde, onde conversaram demoradamente.
Às cinco horas o conde tocou três vezes a campainha. Um toque chamava Ali, dois toques, Baptistin, e três toques, Bertuccio.
O intendente entrou.
- Os meus cavalos? - perguntou Monte-Cristo.
- Estão atrelados à carruagem, Excelência - respondeu Bertuccio. - Devo acompanhar o Sr. Conde?
- Não, apenas o cocheiro, Baptistin e Ali.
O conde desceu e encontrou atrelados à carruagem os cavalos que admirara de manhã na carruagem de Danglars.
Ao passar por eles deitou-lhe uma olhadela.
- São lindos, de facto - declarou -, e fez bem em comprá-los. Só é pena que tenha sido um bocadinho tarde...
- Excelência - atalhou Bertuccio -, tive muita dificuldade em os conseguir e ficaram muito caros.
- São por isso menos belos? - perguntou o conde, encolhendo os ombros.
- Se V. Ex.a está satisfeito é quanto basta - disse Bertuccio. - Aonde vai, Excelência?
- À Rua da Chaussée-d'Antin, a casa do Sr. Barão Danglars.
Esta conversa passava-se ao cimo da escadaria. Bertuccio deu um passo para descer o primeiro degrau.
- Espere, senhor - disse Monte-Cristo, detendo-o. - Preciso de um terreno à beira-mar, na Normandia, por exemplo, entre o Havre e Bolonha. Dou-lhe espaço, como vê, conviria que o terreno tivesse um portinho, uma enseadazinha, uma baiazinha, onde pudesse entrar e ficar com a minha corveta, que não precisa de mais de quinze pés de água. O navio estará sempre pronto a fazer-se ao mar, a qualquer hora do dia ou da noite que lhe dê ordem para isso. Informe-se junto de todos os notários de uma propriedade nas condições que lhe disse.