Ao ouvir o ruído que Danglars fez ao entrar o conde virou-se. Danglars cumprimentou com uma leve inclinação de cabeça e fez sinal ao conde para se sentar numa cadeira de braços forrada de cetim branco e guarnecida de pregaria dourada.
O conde sentou-se.
- É ao Sr. de Monte-Cristo que tenho a honra de falar?
- E eu - respondeu o conde - ao Sr. Barão Danglars, cavaleiro da Legião de Honra e membro da Câmara dos Deputados? Monte-Cristo repetia todos os títulos que encontrara no cartão do barão.
Danglars acusou o toque e mordeu os lábios.
- Desculpe-me, senhor, não o ter tratado logo pelo título por que me foi anunciado, mas como vivemos sob um governo popular e sou um representante dos interesses do povo...
- Embora conservando o hábito de se fazer tratar por barão, perdeu o de tratar os outros por conde - concluiu Monte-Cristo.
- Oh, não é por mim, senhor! - respondeu negligentemente Danglars. - Nomearam-me barão e fizeram-me cavaleiro da Legião de Honra por alguns serviços prestados, mas...
- Mas abdicou dos seus títulos, como fizeram outrora os Srs. de Montmorency e de Lafayette? Era um belo exemplo a seguir.
- Que no entanto não segui inteiramente - admitiu Danglars, embaraçado. - Mas compreende, os criados...
- Sim, para os seus criados deve ser monsenhor, para os jornalistas, senhor, e para os seus representados, cidadão. São cambiantes muito aplicáveis ao governo constitucional. Compreendo perfeitamente.
Danglars beliscou os lábios. Viu que naquele terreno não era da força de Monte-Cristo e tentou portanto regressar a outro que lhe fosse mais familiar.
- Sr. Conde - disse, inclinando-se - recebi uma carta da Casa Thomson & French...
- Ainda bem, Sr. Barão. Permita-me que o trate como o tratam os seus criados. É um mau hábito adquirido em países onde ainda existem barões precisamente porque já se não fazem. Ainda bem, dizia, porque assim não terei necessidade de me apresentar pessoalmente, o que é sempre embaraçoso. Recebeu portanto, dizia, uma carta?
- Sim - respondeu Danglars. - Mas confesso-lhe que lhe não compreendi perfeitamente o sentido.
- Essa é boa!
- E tive até a honra de passar por sua casa para lhe pedir algumas explicações.
- Pois aqui me tem, senhor, - pronto a ouvi-lo.
- Tenho essa carta comigo, creio - disse Danglars, procurando-a na algibeira.
- Sim, cá está... Esta carta abre ao Sr. Conde de Monte-Cristo um crédito ilimitado na minha casa.
- E que vê o Sr. Barão de obscuro aí?
- Nada, senhor. Apenas a palavra ilimitado...