O Conde de Monte Cristo - Cap. 48: Ideologia Pág. 475 / 1080

Para os seus amigos, o Sr. de Villefort era um protector poderoso; para os seus inimigos, era um adversário oculto, mas encarniçado; para os indiferentes, era a estátua da Lei feita homem: trato altivo, fisionomia impassível, olhar ausente e inexpressivo ou insolentemente penetrante e perscrutador, tal era o homem a quem quatro revoluções habilmente sobrepostas umas sobre as outras tinham primeiro construído e depois cimentado o pedestal.

O Sr. de Villefort possuía fama de ser o homem menos curioso e vulgar de França. Dava um baile todos os anos onde só aparecia um quarto de hora, isto é, quarenta e cinco minutos menos do que o rei nos seus. Nunca ninguém o via nem nos teatros, nem nos concertos, nem em qualquer lugar público. às vezes, mas raramente, jogava uma partida de whist, mas tinha-se o cuidado de escolher jogadores dignos dele: algum embaixador, algum, arcebispo, algum príncipe, algum presidente ou, por último, alguma duquesa idosa.

Eis como era o homem cuja carruagem acabava de parar diante da porta de Monte-Cristo.

O criado de quarto anunciou o Sr. de Villefort no momento em que o conde, inclinado sobre uma grande mesa, seguia num mapa um itinerário de Sampetersburgo à China.

O procurador régio entrou com o mesmo andar grave e compassado com que entrava no tribunal. Era bem o mesmo homem, ou antes, a continuação do mesmo homem que conhecemos outrora como substituto em Marselha. A natureza, consequente com os seus princípios, nada alterara quanto a ele o curso que devia seguir. De delgado, tornara-se magro, de pálido, tornara-se macilento; os seus olhos encovados quase desapareciam agora nas órbitas, e as suas lunetas de aros de ouro pareciam fazer parte do rosto, de tal modo se confundiam com as cavidades oculares. Exceptuando a gravata branca, o resto do seu traje era perfeitamente preto, cor fúnebre apenas quebrada pela estreita fita vermelha que lhe passava imperceptível pela botoeira e parecia um traço de sangue feito a pincel.

Por mais senhor de si que fosse Monte-Cristo, não deixou de examinar com visível curiosidade, ao retribuir-lhe o cumprimento, o magistrado, que, desconfiado por hábito e pouco crédulo, sobretudo quanto aos prodígios sociais, estava mais disposto a ver no nobre estrangeiro - era assim que chamavam já a Monte-Cristo - um cavalheiro de indústria que viera explorar um novo terreno ou um malfeitor fugido do desterro do que um príncipe da Santa sé ou um sultão das Mil e Uma Noites.

- Senhor - disse Villefort, no tom estridente adoptado pelos magistrados nos seus períodos oratórios e de que não podem ou não querem desfazer-se no diálogo -, senhor, o assinalado serviço que ontem prestou à minha mulher e ao meu filho impõe-me o dever de lhe agradecer. Venho portanto cumprir esse dever e exprimir-lhe todo o meu reconhecimento.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069